sexta-feira, 16 de julho de 2010

Despedida

Car@s Amig@s,
esse é o último post por aqui.
o blog agora está no wordpress.
Continuem acompanhando.
www.minhacircunstancia.wordpress.com

terça-feira, 29 de junho de 2010

De Getúlio a Lula - e, novamente, ao banco central

Mais uma vez, volto ao livro Brasil: entre o passado e o futuro.
Agora é a vez do artigo do Emir Sader, Brasil, de Getúlio a Lula.
O texto, sucinto para tentar abranger 8 décadas da história social, política e econômica brasileira, discorre sobre os grandes movimentos contraditórios da sociedade brasileira, na defesa do atraso ou afirmação da vontade do progresso, na explicitação de valores pretensamente universais ou defesa do interesse nacional, a articulação do movimento social brasileiro ou a satisfação da redemocratização no plano jurídico-político, a vitória e o fracasso neoliberal dos anos 90 ou a redescoberta do Estado na presente década, já com um país completamente mudado.
Como não poderia deixar de ser, do ponto de vista acadêmico o texto apresente lacunas. Sua passagem superficial por pontos centrais da história brasileira podem questionar a validade de uma ou outra afirmação ou viés interpretativo. No entanto, é válido, do ponto de vista ensaístico, o paralelo estabelecido entre os "Brasis" de Getúlio e Lula, e determinante os desafios aventados para os próximos anos.
O paralelo se dá em três aspectos: a) Governo: tanto em Getúlio, como Jango ou Lula, marcado por coalização de classes, pluriclassistas, que assumiram projetos de unidade e desenvolvimento nacional, com intenso enfoque em políticas sociais; b) a base popular, c) as forças antagônicas são as mesmas, baseadas no hegemonia do capital financeiro, agronegócio e mídia oligárquica.
E, diante disso, os desafios, para Emir, estão na superação da base desses elementos que sustentam os defensores do atraso: hegemonia do capital financeiro, modelo agrícola e a ditadura da mídia privada.
A pergunta que fica é se um possível, talvez agora mais provável, governo Dilma Roussef teria condições e vontade, na nova coalização que se estabelece, de enfrentar esse tripé do antagonismo conservador. Parece sim disposta a discutir um marco regulador para a comunicação, o que, pelos gritos dos velhos oligarcas da grande imprensa tradicional, embora decadente, deve ser muito complicado. No que diz respeito ao campo, suas posições, ora vestindo o boné do MST e ora tentando enquadrar o movimento, não dão certeza de que conseguirá avançar, seja pela força do agronegócio ou pela falta de ousadia no avanço da reforma agrária que, de tão atrasada, já é falsamente acusada de anacrônica. E a hegemonia do capital financeiro se manteve no governo Lula, peso da herança dos anos neoliberais e fruto de escolhas desalinhadas de um governo que, como qualquer outro, não consegue aparar todas as contradições do processo decisório no plano estritamente interno.
O mais dramático, a meu ver, é que essa hegemonia está na base de sustentação desse governo. Se, a base da pirâmide social é acomodada por forte políticas de transferência de renda, o cume é agraciado com a benevolência do rentismo. Se não tão alto quanto no período anterior, ainda a ponto de garantir aos bancos os maiores lucros desse país. Não creio ser correta a insistência numa ruptura do modelo institucional do Banco Central, mas está claro que caberá ao sucessor de Henrique Meirelles um papel central para o êxito do enfrentamento desse desafio. Que, dessa vez, não seja escolhido no ninho tucano ou dentre os representantes do atraso, justamente essas forças antagônicas conservadores apontadas por Emir Sader.

domingo, 27 de junho de 2010

O que agregam os Vices?

Já tinha postado aqui um artigo sobre a escolha dos Vices. Falava da importância da definição dos nomes para refletir sobre o conteúdo programático de cada chapa. Uma chapa Dilma e Temer, por certo, seria diferente de uma chapa de Dilma e Meirelles, ou Dilma e Geddel, por exemplo.

No entanto, vou deixar essa discussão sobre conteúdo programático pra depois. Fico pensando agora o que cada um dos principais vices escolhidos agregam na corrida eleitoral.

Primeiro, creio que o Vice da Marina, Guilherme Leal, o homem da Natura, ajuda a diminuir as resistências do empresariado à candidata verde. Além disso, ela, se apresentando como líder, diferente dos perfis gerenciais de Serra e Dilma, agrega a chapa um homem de sucesso no mundo dos negócios, porque não, um gerente. Em termos eleitorais, não tem apresentado, até agora, qualquer resultado.

Segundo, Temer, com certeza, agrega no grau de governabilidade de um possível / provável futuro governo Dilma. A despeito de algumas dissidências regionais, consegue dar o maior grau de unidade possível a um partido diverso, justamente o maior partido em número de filiados e constantemente uma das maiores bancadas do Congresso Nacional. E é na governabilidade que o PMDB já agrega ao governo Lula, aprovado por imensa maioria da população, é que está a sua grande ajuda. Ajuda mais porque não atrapalha, mesmo com Sarneys, Barbalhos e Calheiros

Terceiro, o vice do Serra, até agora, Álvardo Dias, conformando a chapa puro sangue paulista e tucana da oposição. Serra, com Dias, agregou confusão no lado oposicionista. Minha hipótese é que o ex-presidente-eleito José Serra  quer, mesmo saindo das eleições derrotado, continuar sendo homem importante no ninho tucano, e quer escolher ele próprio a principal voz da oposição. Alça um tucano próximo e tenta pôr Aécio à margem, que terá a sombra de um senador tucano candidato a vice-presidente no Senado Federal. E o DEM fica sempre com a segunda posição na chapa. 

Senão, vejamos. Serra é derrotado e dificilmente concorrerá de novo. Se o vice fosse do DEM, um nome forte, conhecido, talvez esse nome encarnasse a voz oposicionista e se cacifasse para as próximas eleições. Emplacando o nome de Álvaro Dias, mantém o PSDB como a principal voz da oposição para ser a cabeça de chapa em 2014, sem deixar de cutucar Aécio pelas mágoas deixadas pelo mineiro não aceitar baixar a cabeça para Serra.

Serra quis puxar para si a decisão sobre o futuro da oposição brasileira, que parece ir, junto com ele, ladeira abaixo. O DEM esperneia, mas os escândalos no DF e o seu discurso radical contra um governo com altíssima aprovação também o encaminham para o definhamento.

domingo, 20 de junho de 2010

Instituições de Estado e carreiras públicas - o caso do portal do planejamento

Esse semana, o Ministério do Planejamento lançou o portal do planejamento, contendo uma série de documentos desenvolvidos pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos da SPI/MP. Trata-se de um dos melhores trabalhados já desenvolvidos por aquela Secretaria a respeito das políticas públicas em curso no país, divididas por temas, apontando aspectos positivos e negativos em todas elas.


A imprensa logo aproveitou do material para explorar as críticas e municiar a oposição. Reacendeu um franco de fogo amigo dentro do governo, e alguns dos principais veículos de comunicação do país repercutiram o tema, a começar pelo Valor Econômico, que deu a página especial de sexta-feira, a CBN, Estadão, Veja e Globo.


Como resposta, o governo retirou do ar o portal. E isso gerou nova polêmica na imprensa e também dentre os colegas analistas de planejamento e orçamento, que compõem a maioria do corpo técnico da secretaria. Misturaram-se, de um lado, naturais distintos posicionamentos políticos em uma carreira que abraça perfis diversos e incômodo do corpo técnico com a direção com as percepções com relação ao desenvolvimento do projeto e o posicionamento da carreira e da instituição dentro do jogo político do governo.


No meu ponto de vista, de quem tem na SPI a sua principal referência de trabalho mas vê o processo com uma certa distância, a discussão alimenta alguns debates que devem ser encarados de frente: a questão da neutralidade técnica, a separação entre Governo e Estado, mecanismos de incentivo ao exercício da democracia e transparência da ação pública e, por fim, a posição diferenciada que existe entre as instituições de estado e as carreiras públicas.

Encaro a pretensa neutralidade técnica, ou a postura imparcial da burocracia como uma falácia. A defesa de neutralidade tem, ainda que indiretamente, impactos para um ou outro lado. Ademais, por trás dessa postura, muitos escondem preferências políticas que não explicitam seja por comodismo dos cargos que ocupam ou pelo risco que, naturalmente, isso acarreta. Obviamente que a imprensa pode usar o episódio, e está o usando, da forma que mais lhe convém, e isso não deve ser o único fator que oriente as nossas ações. Mas desconhecer, ou querer desconsiderar, os impactos políticos das nossas ações é muita pretensão da nossa parte, e pode, inclusive, nos distanciar ainda mais do núcleo decisório do governo.

Isso tem a ver com a discussão, que sempre considerei ilusória, de separação entre estado e governo. "Somos uma instituição de estado" e devemos ficar alheios às influências políticas. Isso não me parece real. Aliás, não há Estado sem governo, embora, se quiserem, possa haver governo sem Estado. Não há como separar claramente as duas coisas. No entanto, há espaço, ou deveria haver (e não estou dizendo que há o suficiente nesse governo) para construções que ultrapassem os limites dos governos. Mas isso deve envolver toda a sociedade, ou os mais múltiplos atores possíveis, e não apenas a burocracia.

E essa discussão, por sua vez, se conecta com a defesa da transparência e da democracia. Sou um defensor constante da abertura de mais canais de interlocução da sociedade com o governo. Acho que as tecnologias da informação ajudam isso, a internet em particular, mas ainda temos muito o que avançar. Creio que as fórmulas apresentadas até hoje ainda não conseguiram resolver essa questão, tanto do ponto de vista político como técnico/burocrático. Entendo, no entanto, que a discussão em torno da publicação do portal, pra quem o vê de fora, embora exercício extremamente válido para a melhoria das políticas públicas, pode também muito bem ser entendido como parte de um processo decisório interno ao governo, que não necessariamente precisa ser publicizado, e também não se confunde com democracia participativa. Embates como esse há em qualquer governo , mas normalmente o que se externa é apenas a resultante do jogo de forças políticas que se enfrentam dentro do governo. Me parece que alguém "comeu bola" em publicar uma coisa não discutida internamente, ainda mais num período de tensão pré-eleitoral. Nesse sentido, compreendo a retirada do portal do ar.

Isso não significa que não deva haver críticas às políticas de governo. Mas a SPI não é uma instituição de pesquisa. O nosso esforço em propor melhoria às políticas públicas é também extremamente válido, deve ser mantido. Defendo que o exercício seja contínuo. Mas isso não implica NECESSARIAMENTE em torná-las públicas. Sua retirada da internet não deveria impactar em nada o processo que deveria se iniciar de discussão dentro do governo, o que só reforça que sua eficácia não está relacionada com sua publicação. Agora, entendo que a publicação pode ter criado resistências dentro do governo, e que isso pode tornar o trabalho de discussão interna mais difícil. Desconhecer esses aspectos é também desconhecer a essência política da nossa função.

Por fim, mas não menos importante, temos, a carreira, uma instituição de direito privado para fazer discussões que se apartam das instituições e devemos aproveitar isso. De lá, temos mais liberdade para fazer as críticas que acharmos conveniente, propor à sociedade e ao governo discussão de temas que consideramos importantes. Acho que a Assecor - Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento, principalmente agora depois de ter realizado um importante seminário sobre as relações entre o papel do Estado e o lugar do planejamento na busca do desenvolvimento, se mostra um espaço importante para realizarmos essas discussões.

Defendo a mobilização nesse espaço. Seu fortalecimento acarretará o reconhecimento maior da carreira e a construção de um espaço próprio capaz de ser mais um mecanismo de aproximar Estado e Sociedade e de exercer pressão sobre o governo para a melhoria da oferta das políticas públicas. Não podemos esperar ou exigir das instituições de Estado uma postura além das limitações impostas pelas amarras ao governo, de qualquer coloração que ele seja.
    

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A sociedade que luta

Márcio Pochmann e Guilherme Dias apresentam mais um tópico do livro "Brasil entre o passado e o futuro", lançado no congresso do PT, que venho comentando aqui: A sociedade pela qual se luta . Pareceu-me mais um chamamento à organização social pela luta ao estabelecimento de um novo padrão civilizatório mais adequado à sociedade pós-industrial do que uma ode ao Governo Lula. E esse é, ao mesmo tempo, o grande mérito e a maior fragilidade do texto.

O artigose divide em três partes: Uma caracterização sintética da evolução da sociedade brasileira, com ênfase nas diferenças entre os períodos de governo FHC e Lula(qual sociedade?); a segunda parte destaca os meios que deveriam ser mobilizados para avançar (como e para que lutar?); e a terceira o anúncio de um projeto de sociedade que se quer construir (sociedade de todos no século XXI).

Pochmann discorre aí suas idéias bastante conhecidas - e bem mais desenvolvidas - de outros textos, na qual defende a redução da  jornada de trabalho, a entrada postergada no mercado de trabalho, a educação continuada ao longo da vida ativa, com ganhos de qualidade de vida e aumento do trabalho autônomo da população, que tende a chegar a uma expectativa de vida de 100 anos muito em breve. Invoca a necessidade de se construir um novo padrão de produção e consumo, condizentes com os princípios da sustentabilidade.

São, de fato, idéias inspiradoras de um dos maiores intelectuais brasileiros, na opinião desse modesto blogueiro. E a busca por essa sociedade deve caber à formação de uma nova maioria política sensível a esse projeto. Nessa hora, Pochmann é tímido, esquece que saiu dos gabinetes mofados da acomodada academia brasileira e está a frente de uma das mais qualificadas agências governamentais, o IPEA. Estimula a organização da sociedade para a luta, acomodando as forças do governo na inércia.

Mais ainda, os canais de interlocução da sociedade com o Estado são o ponto mais importante destacado pelos autores quando tratam do "como lutar". Ao lado disso, defendem o papel do Estado no planejamento de longo prazo, no desenvolvimento de um projeto de país, e da instigação da sua ação de modo mais matricial, trans e intersetorial. Turvou-lhe aí o olhar mais crítico para poder apontar que o atual governo, a despeito dos inegáveis avanços, poderia ter feito muito mais a conceber um espaço maior para o planejamento, fazendo-lhe entender a sua essência política, e não o entricheirando nas tecnicalidades formais.

Por fim, é tímido demais também no tratamento da financeirização da economia ao atenuar a força de suas críticas, compreensível no caráter e objetivo do texto que lhe foi encomendado, mas incômodo aos olhos dos muitos que vêem a urgência de avanços mais significativos nessa área e são contrariados com a postura sempre conservadora do Banco Central do Sr. Meirelles.

A mobilização social é, portanto, o norte do texto, que demonstra que as marcas mais sentidas da evolução da humanidade se deu nas bases de uma sociedade que lutou. Em período eleitoral, espero que não nos acomodemos com os acertos do governo Lula que, certamente, recomendam a eleição de sua candidata no quadro sucessório, mas que continuemos lutando.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Questões abertas da democracia participativa

Um dos grandes temas ainda pendentes para o governo, para a burocracia, para as elites e mesmo para a sociedade organizada é como introduzir, de fato, a sociedade civil na agenda governamental. Como se aproveitar da democracia participativa, somando-a à democracia representativa, de modo objetivo, com resultados concretos na forma de implementação e escolhas das prioridades governamentais.
De fato, não se pode negar que o governo Lula representou um avanço nesse processo. Esse é o foco do texto do Ministro Luiz Dulci no livro Brasil: entre o passado e o futuro. No artigo, Dulci ressalta o estímulo e reconhecimento dos movimentos sociais como componente de origem do Partido dos Trabalhadores e parte inexorável da agenda do governo Lula.  Destaca as 63 conferências nacionais que ocorreram durante o governo do PT, nas mais distintas áreas de atuação governamental, que teriam mobilizado cerca de 4,5 milhões de pessoas em mais de 5000 municípios brasileiros.
Outro ponto destacado por Dulci é o reconhecimento dos “novos direitos” e a institucionalização de esferas que garantam espaço na agenda horizontal de governo e estimulem o debate na sociedade em torno de questões cruciais como o preconceito de raça, a desigualdade de gênero e o papel da juventude. No geral, esse esforço é reconhecido pelos movimentos sociais como um avanço com relação ao governo anterior, que contribuiu para que deixassem a resistência para uma postura ofensiva no diálogo com o Estado. Apresentam-se não como anexos do Governo, mas tendo garantido sua independência e cobrando, insistentemente, avanços. Deve-se sublinhar, todavia, que esses movimentos sociais conformarem a base de sustentação do Governo Lula no auge da crise política pela qual passou ainda no primeiro mandato.
A grande promessa para o próximo período, que talvez só consiga ser concretizado nos próximos anos a depender do resultado das eleições de outubro, é o projeto de Consolidação das Leis Sociais, em discussão conduzida pela própria equipe de Dulci. A institucionalização dos ganhos representados pelas políticas sociais desenvolvidas nos últimos anos representará, sem dúvida, um grande ganho para a sociedade brasileira e um marco histórico para o Brasil.
Todavia, a questão da participação social está longe de ser resolvida. Consigo perceber três grandes objetivos desse estímulo ao alcance de um envolvimento maior da sociedade na agenda pública. O primeiro diz respeito a própria ligação, sadia, do governo com a sociedade, com o cidadão comum. Representa, teoricamente, um contato direto capaz de contrapor as demandas organizadas da sociedade e as ofertas propostas pelos poderes públicos. O segundo, relaciona-se com o controle social da ação pública, mecanismo útil para se contrapor aos privilégios e promover a universalização dos direitos, como argumenta Dulci. Por fim, mas não menos importante, as possibilidades de participação social servem de estímulo à ação cidadã do indivíduo e à mobilização associativa. Esta uma tarefa permanente.
Dentre as duas anteriores, creio que há espaço para avançar. Os instrumentos dispostos pelas tecnologias de informação servem muito bem à transparência e ao controle do gasto do governo, que lançou, recentemente, o portal da transparência. Mas todo o processo de gestão que antecede à realização do gasto, como o acompanhamento da execução na ordem das prioridades acordadas, por exemplo, não é por aí coberto. Seria necessário estabelecimento de diálogo direto e constante, com atores específicos. Como e quais atores participam é questão difícil e ainda aberta.
Por fim, a transformação do cidadão de objeto para sujeito da ação pública, corresponsável pela política, aponta para um longo caminho a ser percorrido. A participação dos movimentos sociais, ONGs, ainda que em parcerias, na execução das ações de responsabilidade do governo é ardilosa. A discussão da forma de implementação e desenho das ações a serem desenvolvidas é restrita e muitas vezes, secundária à discussão do montante dos recursos. No entanto, são aspectos que iluminam as vias que podem ser exploradas.
Como comentário final, dois elementos que vejo como importantes nessa construção. Os agentes sociais (agentes de leitura, de segurança cidadã, de saúde...), fortalecidos nos últimos anos podem ser mais úteis na construção desse processo. A criação de rede entre eles para a troca da experiência e a criação de mecanismos de diálogo sistemático com os formuladores de políticas pode ajudar a melhorar a oferta que chega de cima. E, como não poderia deixar de ser, a questão territorial. A eleição do território como plataforma preferencial de integração das políticas públicas e de auscultação social.
Ouvidorias são importantes. Mas mais importante é a resposta articulada que o Estado pode oferecer em forma de resultados.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Complementaridades e princípios

Esse é o primeiro post sobre os artigos que compões o livro Brasil: entre o passado e o futuro, organizado por Emir Sader e Marco Aurélio Garcia, lançado no congresso do Partido dos Trabalhadores que oficializou o nome de Dilma Roussef como pré-candidata à presidência da república. E, pelo viés deste humilde blogueiro, trata do texto de política externa, escrito pelo próprio Marco Aurélio Garcia, assessor especial de assuntos internacionais da Presidência da República.

No geral, o texto apresenta críticas superficiais à política externa do governo FHC e destaca as principais linhas da política externa de Lula, sem apresentar qualquer novidade em termos de propostas quanto à política externa de um possível novo governo comandado pelo PT. De fato, traduz que  Dilma representa, sobretudo, à continuidade do Governo Lula, sendo este o seu principal mérito.

Dois temas são marcantes no texto de MAG. O primeiro se refere às complementaridades.
Complementaridades entre (a) as condições internas construídas durante o Governo Lula que preenche, segundo sua visão, uma lacuna histórica do desenvolvimento brasileiro - modernizar o país promovendo um mudança estrutural, sobretudo pelo enfrentamento das desigualdades e (b) a realidade do sistema internacional que transparece a queda da hegemonia americana e a ascensão da Ásia (China, Índia e Rússia) na construção de um mundo multipolar que ainda preza o multilateralismo. Dessa complementaridade, surgem as opções de movimentação internacional do Brasil, que mostra uma política externa ativa e altiva, nos dizeres do seu Chanceler. E que busca complementaridade entre altivez e solidariedade, e entre solidariedade e interesse nacional, principalmente no tratamento de sua grande prioridade - o relacionamento com os vizinhos sul-americanos. A integração regional, nesse ponto, é apresentada como um elemento constitutivo do projeto nacional de desenvolvimento.

A prioridade concedida à América do Sul é apresentada como parte complementar a um movimento maior de articulação Sul-Sul, no qual se destaca a articulação do Brasil junto à África do Sul e Índia, formando o fórum IBAS, à aproximação com os BRICs, além de fóruns inter-regionais que fortalecem a presença da América do Sul como sujeito político internacional.

O segundo aspecto destacado pelo professor Marco Aurélio Garcia são os princípios nos quais se assentam a atual política externa brasileira, que a difere da processada durante o governo anterior. Em primeiro lugar, um renovado sentimento de afirmação nacional de um país que busca ampliar seu espaço no cenário global, mostrar-se acima das suas sandálias, superar o complexo de vira-lata que norteara a projeção internacional do Brasil. Às críticas de partidarização da política externa, sua posição é firme: relembra-nos da filiação partidária do então chanceler Cardoso, ainda no governo Itamar, das linhagens tucanas de Celso Lafer, mostrando que, ao lado de outros exemplos, essa é uma prática normal que perpassa todos os governos. A implementação de políticas não deve ser um exercício meramente técnico. defende com razão.

Em segundo lugar, a confiança em um multilateralismo renovado, que possa lhe conferir nova legitimidade e perfil democrático.  A adjetivação do multilateralismo invoca a necessidade de reforma das principais instituições que conformam a atual ordem internacional, desde o CSNU, até o FMI e Banco Mundial, advogando ao Brasil um papel importante nessa construção. Não serviria a diplomacia a uma mera função pedagógica, ensinando os atores domésticos a se comportar de acordo com as normas internacionais, mas estaria ela, antes disso, envolvida e esforçada na construção dessas normas.

O autor não sublinha, contudo, as eventuais dificuldades que o sistema internacional impõe ao Brasil a partir do momento que se mostra um ator menos coadjuvante no palco mundial. As defesas dos EUA para evitar o seu próprio declínio econômico e político, as concorrências com os novos emergentes e os múltiplos arranjos existentes entre as tradicionais e novas potências.

Na tradução do seu presente, faltou uma leitura mais cuidadosa do atual sistema internacional e das suas possibilidades futuras. A complementaridade das relações sul-sul com aquelas tradicionais e importantes ligações com o norte também foi um tanto negligenciada. Conquanto isso possa ainda impor dúvidas sobre as melhores opções de política externa a serem executadas no futuro próximo,  não deveria obscurecer o destaque que merecem os avanços obtidos pela atual política externa com relação ao seu passado mais recente.

domingo, 30 de maio de 2010

As contradições da estratégia dos Estados Unidos

Embora não seja minha especialidade, acho necessário e salutar que haja mais análise sobre a política externa dos Estados Unidos. A postura internacional norte-americana é um elemento-chave para as possibilidades da atuação brasileira no mundo. A queda relativa da posição dos EUA frente a países emergentes tanto na área econômica como política revela-se central para o processo de construção de uma nova ordem global, já em curso.

E, nesse contexto, os EUA optam, claramente desde o início década de 2000, por relativizar o peso do multilateralismo, acionando-o apenas quando lhe serve como legitimizador de seu interesse perante à comunidade internacional. Seu multilateralismo passou a ser seletivo, conferindo a mesma importância às instituições regionais aquela conferida às Nações Unidas. Quando as instituições regionais não subscrevessem totalmente suas ações, fortalecia seu unilateralismo intervencionista.

Os EUA não são mais o líder inconteste que moldaram a ordem internacional forjada nos extertores da segunda guerra mundial. Se nenhuma das grandes questões mundiais pode ser resolvido sem o envolvimento dos Estados Unidos, como declarou a Secretária de Estado Hillary Clinton, também os Estados Unidos sozinho têm condições de resolver, com nível de razoável estabilidade, qualquer uma das grandes questões mundiais.

O Governo Obama não tem apenas frustrado as expectativas, mas também titubeado nas grandes questões internacionais que se envolveu até aqui, desde o conflito israel-palestino, a crise de Honduras, suas relações com a China ou mesmo no caso do Irã. Até mesmo o óleo da costa do México já começa a respingar na imagem de Obama. O ponto prioritário da agenda estadunidense não parece ser a estabilidade da ordem internacional, mas a defesa dos diversos interesses norte-americanos, expressos no emaranhado de grupos de pressão e lobbistas que circulam por Washington. Em alguns casos, eles serão coincidentes com os interesses universais(?). Quando não forem, dane-se o mundo?

As discussões em torno das mudanças no sistemas de saúde norte-americano mostraram que Obama está longe de trazer uma unidade aos EUA. As condições internas importam para que se consiga projetar, globalmente, poder e influência. Ainda que a economia norte-americana dê sinais de recuperação, sua posição relativa diminui frente ao crescimento econômico maior alcançado nos últimos anos pelas economias emergentes. Mas os EUA relutam em aceitar novos membros nos exclusivos clubes que abrigam as principais decisões políticas e econômicas internacionais.  

Nessa linha, preferem tratar com parceiros preferenciais, seus tradicionais aliados europeus e a nova aliança estratégica com a China, no chamado G2. As posições dos gigantes, no entanto, muitas vezes não são  convergentes, e a China tem demonstrado isso constantemente. Parece ser a postura do Governo Obama com a China carente de realismo. É uma vigia para não deixar que China passe dos limites do aceitável, mas o país asiático consegue empurrar essas linhas sempre um pouco mais adiante, fazendo os EUA se acomodarem com a nova situação criada. Ademais, é preciso ir além do discurso para conseguir disputar com a China, que é sua principal concorrente, e outras potências emergentes a corrida que se trava pela influência  na África.


Propagam-se executores agora de um "smart power" construindo coalizões que resolvam as grandes questões internacionais do momento, dentre as quais os conflitos interestatais dão espaço para as ameaças que afetam a todos os estados. Nessa busca de coalizões, tratam de prover incentivos àqueles Estados que são parte da solução e restringir a atuação daqueles que não são. Estamos diante da retomada da interpretação maniqueísta do mundo, que pensávamos que sairia de cena com o segundo Bush?

Boa parte da comunidade internacional percebeu as contradições da política externa americana e entende os EUA como uma importante voz a ser ouvida, mas nunca mais a única. A propósito, é curioso observar a postura anacrônica da oposição no Brasil a alardear a opinião pública em favor de uma postura de alinhamento automático com Washington. Outras vozes importam, há espaço para aqueles que têm o que dizer, se não pelo desejo dos Estados Unidos pelas necessidades surgidas no momento de transição do sistema internacional.

A grande contradição, me parece, é propagar a democracia como o mais caro valor norte-americano a ser promovido ao redor do mundo, e evitar instituições internacionais mais democráticas. Com mais vozes e votos, sua força posição se relativiza ainda mais. E esse é o grande problema. Assim que, no caso do Irã, não aplicar as sanções ao país dos Aiatolás representa uma derrota aos EUA muito maior do que a vitória que o Brasil atingiu, junto com a Turquia, na assinatura do acordo com Ahmadinejad.

Que os outros sejam emergentes, pode-se aceitar, e tentar controlar seus limites. Que os EUA seja decadente, obviamente, é inaceitável. Será possível conciliar os dois movimentos ou a outrora potência una mundial está nadando contra uma corrente que seguirá, inevitavelmente, seu próprio curso? Até agora, parece-me que ou os EUA passam a aceitar uma ordem mais democrática ou serão cada vez mais questionados.
   
  



quarta-feira, 26 de maio de 2010

A política externa no debate eleitoral

A política externa nunca ocupou um papel de destaque no debate eleitoral brasileiro. Ressalta-se sempre, para justificar tal fato, a complexidade do tema, o baixo interesse da sociedade e a conseqüente baixa captação de votos que o debate gera. A política externa não atraia a eleição do eleitor e, portanto, os custos de se entrar nesse debate não gerariam ganhos na mesma proporção.

No aquecimento da disputa eleitoral desse ano, que promete ser acirrada, os principais candidatos ainda não apresentaram propostas concretas que alimentarão os eleitores a firmar suas opções de voto. Todavia, o confronto de ideias começa a surgir com maior força, seja provocado pelos próprios candidatos ou pelas circunstâncias políticas que os cercam e formam.

Nesse momento, as discussões acerca da política externa brasileira têm ganhado especial atenção. No mês de abril, o chanceler Celso Amorim compareceu ao Senado como forma de destravar a apreciação da indicação de embaixadores brasileiros para postos no exterior, que estavam paradas na comissão de relações exteriores da casa. No dia seguinte, foi a vez do Ministro Nelson Jobim dar explicações sobre a compra dos caças e da assinatura do tratado militar com os EUA.

A imprensa deu atenção ao debate com o líder da oposição, que acusou o neopetismo do ministro Amorim, outrora mais próximo de José Serra, declarando ser seu amigo pessoal. Mais importante, porém foi que a oposição encarou o debate de conteúdo: questionou a criação de novas embaixadas brasileiras em alguns países menores, sem importância, sob a mera justificativa do interesse comercial de algumas empresas nacionais, a "benevolência" com que trata seus vizinhos "mal-comportados" e a displicência com que afronta a comunidade internacional, leia-se Estados Unidos, no caso do Irã. 

Por trás do momento atual, paira o embate permanente entre a opção universalista e a ocidentalista/americanista, ou seja, entre aqueles que percebem que os interesses brasileiros devem ser buscados e promovidos em toda a parte do globo e aqueles que, sem atentar para a complementaridade das alternativas, propagam que o eixo principal das nossas relações externas deve ser de alinhamento aos nossos parceiros tradicionais do ocidente, EUA e Europa.

Os ataques ao relacionamento do Brasil com os vizinhos parecem ter no horizonte apenas o jogo eleitoral. Numa perspectiva de médio ou longo prazo, é preciso considerar que os problemas recentes ocorridos com Bolívia, Paraguai, Equador e mesmo Argentina e Uruguai, esses últimos em matéria comercial, vêm sendo paulatinamente superados e a perspectiva de construção da América do Sul como um polo de um sistema internacional multipolar, colocada em outro patamar com a institucionalização do diálogo multilateral pela criação da UNASUL, vai se consolidando. Resta lembrar que mesmo os assuntos mais quentes da agenda política regional, a questão das bases norte-americanas na Colômbia e as supostas relações da Venezuela com as FARC, foram levadas ao Conselho de Defesa Sul-americano. E, não menos importante, a América do Sul se consolida como importante destino das exportações brasileiras de maior valor agregado, como destino de investimentos externos brasileiros e, portanto, origem de lucros em moeda estrangeira para nossas empresas que se internacionalizam usando a região como plataforma inicial.

Vão na contra-mão da política externa da última década, portanto, inclusive considerando a segunda metade do segundo governo Cardoso, as afirmações de José Serra, de diminuir a importância do Mercosul e de acusar o governo boliviano de ser cúmplice no tráfico de cocaína para o Brasil. Seu governo poderia representar uma ruptura no que tem sido a afirmação da América do Sul enquanto região política própria, ideia que ganhou força com a institucionalização na UNASUL.  

Com relação à ex-ministra Dilma Roussef, seu eventual governo promete ser continuação da política externa de Lula para América do Sul. Até porque o assessor especial da Presidência da  República para assuntos internacionais, o professor Marco Aurélio Garcia, defensor intransigente da integração sul-americana, ocupa papel de destaque na campanha petista.

Todavia, as posições não estão totalmente esclarecidas. Há espaço ainda para que, com a divulgação dos planos de governos dos candidatos e o aquecimento da campanha eleitoral, que em breve deverá disputar as atenções com a Copa do Mundo, haja um debate rico em torno dos caminhos possíveis da Política Externa Brasileira. A atual projeção internacional do Brasil e o debate que tem gerado na imprensa parecem indicar que, nas eleições presidenciais de 2010, teremos a oportunidade de discutir as opções internacionais que mais contribuem para o processo de desenvolvimento do país e, àqueles que aceitam acreditar que o Brasil pode falar alto no palco internacional, a postura que mais pode induzir para o fortalecimento do multilateralismo, para a construção de uma ordem multipolar mais estável econômica e politicamente.     

domingo, 4 de abril de 2010

Futebol e religião: uma mistura sadia?

Escrevi outra vez sobre as semelhanças entre os clube/empresas de futebol profissional e as igrejas protestantes neopentecostais. Agora esse episódio dos "Meninos da Vila" me faz voltar ao tema. Aconteceu que o Santos preparou uma visita de seus atletas a uma instituição espírita que cuidava de crianças carentes para um atividade beneficente por ocasião da páscoa. Alguns dos jogadores mais assediados, no entanto, decidiram não descer do ônibus, causando grande constrangimento, por serem evangélicos e apontarem a instituição espírita como lugar do "coisa ruim".

Dificilmente um fiel da igreja que goste de futebol vai mudar de time por conta da vinculação da imagem de um jogador "irmão" a determinado time. Até porque é muito difícil que esse jogador fique muito tempo num time só. É mais razoável supor que a imagem desses jogadores atraiam pessoas à sua igreja, que pode ser entendida como parte da justificativa para seu sucesso. O clube passa a ser mais um veículo de propaganda das igrejas.

São paixões, símbolos e crenças que viram um grande negócio, e os negócios, que já se parecem, se entrelaçam cada vez mais. O esporte, incentivo à saúde, à disciplina, ao estabelecimento de metas e à busca dos objetivos, vira também a apologia a uma prática religiosa. Em tempos de intolerância, pode alimentar a segmentação. Tanto que a FIFA proibiu manifestações de cunho religioso nas suas competições.

Dada que a origem social da maioria dos jogadores seja justamente o foco de atuação dessas igrejas, é normal que essa relação aconteça. Também considero que elas possam sim ter influência, ao menos indireta, no sucesso desses atletas, ao desviá-los de práticas menos nobres. Todavia, não acho sadia essa mistura de paixões e crenças. Preferências futebolística e religiosa não se discutem, nem deveriam se misturar desse tanto.

sábado, 3 de abril de 2010

A distância entre a opinião pública e a grande imprensa.

A distância entre a opinião pública e a posição da grande imprensa brasileira talvez nunca tenha sido tão grande quanto a que vemos hoje. Enquanto a presidente da Associação Nacional dos Jornais e diretora da Folha de São Paulo, Judith Brito, assume a "posição oposicionista" da grande imprensa, diante da fragilidade dos partidos de oposição, o governo do presidente Lula tem um índice de aprovação de mais de 80%. A grande imprensa brasileira não tem mais a mesma força de outrora para guiar os acontecimentos políticos do país o que, de modo algum, a faz desistir. Ao contrário, parece radicalizar suas posições, reforçar o movimento conservador.
Com o jogo eleitoral apenas no início, não se pode menosprezar o papel do partido da grande imprensa (ou partido da imprensa golpista - PIG, como o batizou Paulo Henrique Amorim). No extremo, lembremo-nos da Tribuna da Imprensa nos acontecimentos que levaram ao suicídio de Getúlio.
Mas, de fato, já no plebiscito do desarmamento, com toda a posição favorável da mídia e a derrota do "sim", a população não aceita passivamente o que a imprensa lhe apresenta. A declaração da Sra. Brito torna explícito o que era latente e que passava despercebido, e provavelmente continuará passando, para a maioria dos seus leitores médios. Aos poucos que tivemos acesso e conhecimento do fato, o que nos resta é reverberar.
Mas, além disso, importa refletir sobre as razões da distância entre opinião pública e a da grande imprensa.

Em primeiro lugar, creio que a internet tem um papel decisivo. Segundo o IBGE, pouco mais de 35% dos brasileiros têm acesso à internet. Desse universo, um número bem menor deve ser o que consegue navegar por páginas que não sejam dos grandes grupos de comunicação, e um grupo menor ainda produz conteúdo. Ainda assim, o acesso à informação está mais democratizado e a velocidade com que a informação pode ser repassada impressiona. Dessa forma, os grandes factóides e crises artificialmente construídas se desmontam rapidamente, embora deixem seqüelas, mas afetam cada vez mais a credibilidade da imprensa que usa desses expedientes. O Caso da Veja e da FSP são os mais conhecidos. Relacionado a isso, a queda na venda dos grandes jornais também deve ter influência no processo.
A situação econômica do país nos últimos anos, mesmo considerando a crise financeira internacional, e o amparo às regiões e populações menos aquinhoadas reforçado pelas políticas de transferência direta de renda dão uma sensação geral de que o Brasil está melhorando. Para muitas dessas pessoas, essa sensação é muito mais importante do que as manchetes nebulosas dos jornais, os quais muitos mesmo não lêem.
Por fim, creio que o próprio carisma do Presidente não deve ser negligenciado. Sua imagem e o que ela representa para o povo podem também explicar boa parte da dissonância entre a posição da imprensa, que não se cansa em denunciá-lo das mais variadas formas, de megalomaníaco a estuprador, e a população que o reconhece como um de si.
Analisando o cenário futuro, caso vença a candidata governista, esse fator deve diminuir. A figura de Lula não estará ao seu lado  durante todo o seu governo, e ela não conta com o carisma inigualável do atual presidente. Nesse aspecto, a oposição midiática pode ganhar terreno, e com isso, radicalizar ainda mais a sua posição, exercendo um papel ainda mais oposicionista num possível governo de Dilma Roussef.
Para fazer o contrapeso, o sistema de inclusão digital, banda larga e, principalmente, educação, deve ser colocado no topo das prioridades. E, obviamente, junto com um ótimo jogo de cintura e excelente assessoria de imprensa para o seu governo. A radicalização desse jogo não interesserá ao Brasil. O estigma de Chavizta já está lhe sendo imposto, mas a instabilidade política pode estar sendo gerada do lado oposto.

terça-feira, 23 de março de 2010

A Cúpula de Cancun na Política Externa Brasileira: redefinições ou continuidades?

Os resultados declarados da segunda reunião de cúpula da América Latina e Caribe, realizada nos dias 22 e 23 de fevereiro, na cidade mexicana da Cancun, e a recente movimentação da Argentina em direção às Malvinas traze, com pertinência, alguns questionamentos sobre a política externa brasileira para o seu entorno imediato. Em primeiro lugar, o Brasil estaria buscando uma nova redefinição do seu horizonte regional, frente a possíveis obstáculos do projeto sul-americano e de sua estratégia mais ativa de projeção internacional como potência emergente? Em segundo lugar, estaria mudando a postura brasileira em defesa de uma reforma na atual ordem para uma mais ampla revisão das instituições e questionamento do posicionamento dos atores do centro do sistema?
Uma análise prudente sugere que a resposta para ambas as questões será negativa.
A partir dos anos 1990, o Brasil passa a cunhar a sulamericanidade como elemento regional da sua identidade internacional. Define-se a América do Sul como plataforma preferencial para a inserção internacional do país, em detrimento da América Latina ou do Cone Sul.
Essa opção brasileira, impulsionada também por fatores sistêmicos do pós-guerra fria, notadamente o ressurgimento dos blocos regionais, a criação do NAFTA e a atuação dos Estados Unidos na América Latina, converte-se em um projeto concreto de construção da América do Sul enquanto região que fizesse sentido para além da sua significação geofísica. Nessa linha, várias iniciativas são colocadas em marcha, englobando desde integração da infra-estrutura regional até a cooperação em termos científicos, tecnológicos e culturais.
A América do Sul converte-se em projeto brasileiro através da institucionalização do multilateralismo regional com a criação da União Sul-americana de Nações, UNASUL. A UNASUL, herdeira da Comunidade Sul-americana de Nações, CASA, é parte essencial do projeto brasileiro para a região, de lugar central na sua estratégia de inserção internacional.
Nesses termos, o apoio brasileiro à criação de uma nova instituição latino-americana, conforme apresentado na reunião de Cancun, poderia ser entendido como uma revisão da sua estratégia regional. Críticos ao governo Lula e à sua política externa apressam-se em apontar o que seria um escape a falta de avanços concretos na sua política regional imediata ou sinais de um exercício de megalomania da sua diplomacia alimentado pelo status de celebridade internacional alcançado pelo Presidente, que avança desfocadamente sobre áreas e temas que não deveria se insinuar.  
Todavia, o grau de generalização da proposta apresentada na reunião do México e o conseqüente tempo de maturação do projeto indicam que não há substituição de estratégias. O projeto prioritário brasileiro para a integração regional continuará sendo a UNASUL.
Tanto que o apoio brasileiro à nova instituição, embora tenha ocorrido, não foi efusivo. Não houve nenhuma declaração do Presidente ou de seus assessores diretos com relação ao tema. Nas notas à imprensa do MRE sobre o encontro, não havia menção à criação de uma nova instituição regional[1]. À primeira luz, parece, sobretudo, uma iniciativa mexicana, que viu sua economia encolher 6,5% em 2009 por conta do atrelamento à economia estadunidense e percebe a necessidade de ampliar o horizonte de sua projeção internacional. Iniciativa que ganha eco estridente dos chefes de estados esquerdistas bolivarianos da América Latina, como Chávez, Correa e Morales, ou a própria Cuba, que já resignificam a iniciativa à sua moda de afronta regional à tradicional presença dos EUA na América Latina.
O Presidente Lula, em fim de mandato, não poderia apagar as luzes da sua política regional contrariando a maré da maioria. Quando a nova instituição for criada, se conseguir cumprir o prazo estabelecido em Cancun, Lula não estará mais em cena como o personagem principal, ainda que sua atuação nos bastidores ou em outros palcos internacionais ainda possa ser importante. Não pode ser acusado de não ouvir os vizinhos, mas, conhecendo o que dizem, sabe que do discurso à prática o caminho é complicado.
Lula logo tratou de negar que a nova instituição seria uma afronta aos EUA, mostrando maturidade da postura brasileira e a revelando que a abertura de novas frentes não significa o encerramento de relacionamentos tradicionais. Segundo o presidente, "ninguém é ingênuo para criar ruptura com os EUA ou União Europeia, até porque sabemos a importância dos Estados Unidos na relação com todos os países, tanto comercial quanto política. Nós queremos manter esta boa relação. Nós queremos ainda que, mantendo esta boa relação, ter um espaço de discussão entre nós mesmos, falando da nossa realidade e construindo uma nova realidade para nós, para manter espaço"[2]
Ainda, a nova instituição, embora não tome o lugar prioritário das relações regionais do país, também não a contraria. A atenção ás normas internacionais enquanto traduções concretas da ordem internacional, concentradora, atual, recomenda a prudência quanto à atuação das agências internacionais tradicionais, bem como a busca de alternativas institucionais que dêem voz aos emergentes. Essa análise sombreia a atuação internacional do país, mais escaldado quanto ao multilateralismo global e promotor da institucionalidade regional.
Nessa mesma linha, a permanente construção do bloco sul-americano, projeto necessariamente de longo prazo, enseja o entendimento prioritário brasileiro-argentino-venezuelano, as três maiores economias sul-americanas, que esse entendimento seja acompanhado por boas relações com os demais vizinhos, e que tudo isso seja institucionalizado.
A UNASUL responde ao último ponto. O reconhecimento, em primeira ordem, das assimetrias entre os países da região, bem como as soluções encontradas ou ainda em construção nas relações com a Bolívia e Paraguai, principalmente, dão indícios que a relação do Brasil com os países menores não estão sendo negligenciadas. Enfim, a posição brasileira, ladeando a Argentina na sua reclamação quanto à mudança de atitude da Inglaterra nas Malvinas, agora buscando efetivar a exploração de Petróleo, trata de consolidar o primeiro ponto, numa pauta da mais alta importância política para os Argentinos.
Isso não significa que ocorrerá uma nova ação militar nas Malvinas. A disposição para mediação, diálogo e negociação, em favor dos interesses dos emergentes, países do sul ou periféricos, parece ser a marca pessoal que o presidente Lula quer deixar no palco internacional. Sua pretensão de continuar atuando na política internacional, seja em favor da África, América Latina, ocupando um cargo onusiano ou em alguma organização internacional de presença relevante – embora pareça não ter aceitado a sugestão de Chávez de ficar à frente da nova organização[3] – confere utilidade prática à sua marca. E, nessa linha, a declaração do presidente Lula aproxima a argentina do Brasil, sem amarrar o Brasil à argentina, mas alinhando o interesse dos dois, e da América do Sul em geral, para discussões e negociações de peso no cenário internacional. É a continuidade de um processo de afirmação da região como um bloco no sistema internacional multipolar que se configura, e não mais como sub-região submissa à atuação de uma potência e de seus aliados.



[1] Ver notas à imprensa do Itamaraty sobre a Cúpula de Cancun, disponíveis em http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/index3.asp
[2] Lula volta a defender o Irã na Cúpula do México, Revista Veja, disponível em  http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/lula-volta-defender-ira-cupula-mexico-535467.shtml
[3] Para Lula, crise econômica contribui para sucesso da cúpula, em edição on line de O Estado de São Paulo, de 23.02.2010, disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,para-lula-crise-economica-contribuiu-para-sucesso-da-cupula,515182,0.htm

segunda-feira, 8 de março de 2010

Neo-desenvolvimentismo X estado logístico

Muitas vezes, as percepções de continuidades e rupturas em determinadas políticas públicas dependem exclusivamente do nível de análise do observador. Quanto mais afastado do objeto, a visão tende a perder nitidez, os detalhes escapam e um borrão genérico envolve todo o cenário. E, conquanto as nuances não sejam explícitas, as generalidades nivelam as opções, afinal, do céu, a floresta toda parece um mar de verde, não se consegue distinguir as árvores pelo formato das folhas.

Esse parece ser o equívoco de alguns conceitos interpretativos da história política e econômica brasileira, inclusive, e particularmente, da sua política exterior. A política externa para a América do Sul concebida e executa pelo Governo Lula, por exemplo, é inequivocamente distinta da empreendida pelo seu antecessor, mesmo se considerarmos apenas o segundo mandato de Cardoso, no qual se considera que a política externa tenha sido mais ativa para a região, ainda que os dois tenham conferido à região um status prioritário na estratégia de inserção internacional do país.

A despeito disso, alguns elementos-chave para a tentativa de racionalização acadêmica do entendimento da atuação do estado persistem ao longo do tempo, sobrevivendo a mudança de governos, regimes e partidos políticos. Não poderia haver exemplo melhor disso do que a insígnia do desenvolvimento como norte da nação.

O desenvolvimento esteve no centro do modelo nacional-desenvolvimentista que se sobressaiu no estado brasileiro na maior parte do século XX. Mas o desenvolvimento não saiu do horizonte na alvorada e no crepúsculo do (neo)liberalismo que se insinuou na nossa paisagem na última década do século passado. Todavia, as estratégias para alcançá-lo eram, definitivamente, outras. Outras, que, a bem dizer, por manterem o desenvolvimento como norte, também poderiam ser chamadas de neodesenvolvimentistas. Afinal, era o desenvolvimento da nação sendo buscado por meios inovadores de desregulação, desestatização, introspecção de normas e receituários internacionais na legislação nacional.

O avanço com relação ao período anterior consolidado no governo Lula, principalmente no seu segundo governo, insere-se num contexto de amadurecimento da sociedade nacional, a partir da crítica ao período imediatamente anterior, mas também, e talvez principalmente, numa realidade social e econômica distinta daquela vivida pelo país em meados do século passado.

Tentar rotular, nessa linha, a estratégia de continuidade do seu governo como neodesenvolvimentista, traz, a meu ver, dois erros. Primeiro, limita a visão de mundo e a percepção da realidade e, segundo, provoca um debate desnecessário com os setores conservadores.

Nesse ponto, a construção do Prof. Amado Cervo do paradigma de Estado Logístico me parece mais adequada para a estratégia da candidatura governista. O rótulo do Estado logístico, como propaganda, poderia, inclusive, soar mais moderno, para dizer coisas muito semelhantes ao do "novo-desenvolvimentista", e sem a pecha "intervencionista", "Chavista" ou "anacrônica" a que a mídia e analistas começam a fazer uso.
Recomendo, nessa linha, os textos "Relações Internacionais da América Latina: Velhos e novos paradigmas", e "Inserção Internacional: Formação dos Conceitos brasileiros", ambos do Prof. Cervo.
Lembro-me também de ter aprendido com o professor Campolina que o Estado não pode ir contra o mercado. Deve apoiá-lo onde houver convergência, e na divergência deixá-lo caminhar com suas próprias forças. Não se trata de afrontar ou sufocar o setor privado, pois isso leva, muitas vezes, a embates sociais que põem em risco a própria democracia.

E o estado logístico opera dessa forma. Impulsiona, incentiva, apóia as empresas brasileiras a ganharem fôlego e a competirem internacionalmente. Valem também as palavras de Pochmann de que, em algumas décadas, "a economia mundial será dominada por cerca de 500 megaempresas. Quantas empresas o Brasil terá?" E, para isso, o Estado é necessário. O Estado logístico também não se exime de ir onde o mercado não tem interesse, de investir em infra-estrutura, de usar seus instrumentos para promover a pesquisa, mas, sobretudo, se faz presente na mediação dos interesses entre setores de uma sociedade cada vez mais complexa, num ambiente internacional, da mesma forma, cada vez mais complexo.

Mais do que um nome, ou pura questão de forma, o conceito revela um conteúdo que, a meu ver, expõe de forma clara as linhas de uma política que já vem sendo implementada pelo atual governo. Mas, ainda assim, me atrevo a dizer que, em termos de marketing, poderia também ser uma boa escolha. Ainda que possam significar coisas muito semelhantes, enquanto um olha para o futuro, o outro está preso às referências de um passado que, embora possa se considerar positivo, pode insinuar imagens confusas, ainda mais se distorcidas pelo intermediador das mensagens, de forte ranço conservador.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

A atuação plena e o papel de uma nova burocracia

É engraçado que, enquanto o mundo novo nos remete à multidisciplinaridade no método, às análises estruturais no nível de observação, a uma vida plena de cidadania, cultura, trabalho e laços sociais, a burocracia entende que o melhor é se insular em nome de um puritanismo tecnocrático inalcançável.
Obviamente, não é aplicável a todos, mas me parece essa ainda uma "força profunda" dentro do estado. Uma força despolitizante e acomodada. Há alguns, no entanto, que passam a se movimentar, e fazer coceira no corpo enferrujado da burocracia. Espero que esteja certo o velho ditado que vaticina que comer e coçar, é só começar...
Creio numa atuação em quatro bases, para o bem do burocrata, da nação e da própria burocracia. A atuação na tecnicalidade do estado(1) tem que ser moderada por uma reflexão acadêmica-científica (2), de modo a lhe evitar os vícios e oxigenar as ideias. Sobretudo, porque o burocrata, além de executar, deve pensar.
Ainda, defendo a vivência cidadã, a experimentação do espírito associativo. É preciso o envolvimento para o conhecimento da realidade em que vive, e a atuação para modificá-la. Associações de classe, de bairro, de pais e mestres, de igrejas, enfim.... A sociedade cria esses espaços, mas é necessário iniciativa para preenchê-los.
Por fim, a cidadania também pede envolvimento político. Mais que isso, defendo que as pessoas tomem partido. O conteúdo é mais importante que o processo, não que este não tenha o seu valor. E, junto com a reflexão acadêmica, a expressão programática da política não deve ser evitada. Tecnocracia e política não deveriam ser termos contraditórios. A política nos invade em vários aspectos. Negá-la é aceitá-la silenciosamente, eximindo-se do direito de fazer escolhas.
Que os novos servidores públicos consigam perceber seu verdadeiro papel enquanto agentes transformadores da nação. Elo entre o Estado e a sociedade, e parte de cada um deles. Entendendo e servindo de canal para as forças sociais, e não se autoreferenciando como a expressão mais esclarecida do dever ser do país. Para isso é que nos serve a democracia e a transparência, valores maiores que a tecno-burocracia.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Às ideias e ao jogo de palavras

Já escrevi aqui sobre minha ansiedade de ver entrar no debate político/eleitoral (sim, porque ainda que os partidos apresentem seus recursos ao supremo alegando campanha antecipadas de parte a parte, não há como separar política de eleição em ano eleitoral) as ideias, materializadas nos programas de governos de cada candidato, embora reconheça que, por vezes, esses documentos se prendam a generalidades.
Passado o carnaval, esse debate parece ter entrado na agenda da mídia. Ainda que o centro das atenções estejam mormente na definição das chapas, se Serra realmente será candidato ou Aécio retomará sua candidatura (já tem gente especulando em chapa Aécio/Alckmim  http://is.gd/8AeAp), se Ciro permanece na disputa pelo Planalto ou caminha rumo ao Bandeirantes, além das encenações sobre a escolha dos vices, começam a aparecer, ainda que apresentado pela mídia estrangeira (será que a mídia nacional desaprendeu?) temas que ajudarão, de fato, os eleitores a definir os seus votos para as eleições de outubro.
O lado ruim é que o debate começou torto. Hoje, o periódico espanhol El País afirma que Dilma fará um governo à esquerda de Lula, depois de ter afirmado que, Serra ganhando, Lula sairia tão vencedor quanto na eleição de Dilma, anunciando uma amizade de longa data entre José Serra e o Presidente Lula. A mídia local, como sempre, repercute.
O Congresso do Partido dos Trabalhadores que ocorre nessa semana em Brasília promete trazer novidades para essa discussão. Analisando o já anunciado livro que vem com uma entrevista com Dilma se terá melhor noção do direcionamento do seu governo, caso eleita.
Porém, o que me parece, pelo que foi apresentado pela mídia e propagado nos blogs que se dedicam ao tema, é que a Dilma promete a continuidade do segundo mandato do Governo Lula, e não uma proposta mais à esquerda. Isso me cheira a interesses que, daqui mais uns dias, tentarão carimbar uma feição chavista ao programa do PT.
O rumo do grande embate dentro do governo Lula, embora ainda não totalmente finalizado, já vinha sendo favorável a um forte papel do estado enquanto orientador e promotor de iniciativas que lhe interessam, que não são, necessariamente, contra o mercado, mas que orientam-se pela superação das desigualdades sociais e regionais, um estado que consiga forjar o desenvolvimento baseado, idealmente num mesmo nível, em eficiência e eqüidade.
Dilma, ainda que totalmente diferente de Lula (assim como Serra, o que serve para um discurso de tentar igualar os dois candidatos), parece óbvio, representará a continuidade desse projeto, claro particularmente no segundo governo, que se mostrou mais forte com a postura brasileira perante a crise internacional e a forma como consegui se sair, até o momento, dela.
Pouco antes disso, o PSDB tinha começado a mostrar a que veio também, com a entrevista de Sérgio Guerra e o artigo do FHC. Um, num discurso esquizofrênico, contra o PAC e a política monetária, outro defendendo seu governo, contra às evidências.
O jogo está apenas começando. As eleições ainda estão longe e muita coisa pode acontecer. Agora é que os discursos começarão a ganhar concretude, apresentando suas forças e fragilidades. Ainda que haja jogo de palavras movimentados pelos interesses imparciais da mídia, poderemos começar a nos municiar para firmar a nossa posição.

Em tempo: Hoje tem programa do PSB, com Ciro Gomes nos holofotes.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Os desafios para Dilma e para o PT


EMIR SADER


Nas eleições deste ano será definida a fisionomia do Brasil em toda a primeira metade do século. Será um elemento fundamental para consolidar os avanços na América Latina. Conta-se com um governo de sucesso e amplo apoio na população, com a liderança do Lula, com um partido coeso e com uma grande candidata.

Dilma representa mais do que uma mulher competente, enérgica, comprometida, mais do que a coordenadora de um governo que mostra que se pode mudar o Brasil para melhor, retomar o desenvolvimento econômico estreitamente articulado com políticas sociais.

Dilma representa também o espírito militante, forjado nos anos 60, no calor dos momentos mais duros de luta contra a ditadura, que soube manter acesa a chama dos ideais de transformação profunda da realidade, passando pelo crivo das novas condições de luta. Nós nos conhecemos naquela década extraordinária para o mundo, na militância clandestina de resistência à ditadura, na mesma organização, na mesma luta.

Segui sua trajetória de longe, até reencontrá-la em um Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, secretária do governo do Tarso, com a mesma alegria, luminosidade no olhar, combatividade, companheirismo. Quando saiu, pela primeira vez, a notícia da possibilidade de que ela fosse a candidata, imediatamente busquei uma forma de manifestar meu entusiasmo sobre essa possibilidade. Voltar a trabalha com ela, no livro que lançamos agora no Congresso do PT – “Brasil, entre o passado e o futuro”, Editoras Boitempo e Perseu Abramo, Organizadores: Emir Sader e Marco Aurélio Garcia -, serviu para me dar conta que a Dilma é a mesma, desde aqueles anos 60 até hoje e projetada para o futuro, que inspira confiança, compromisso, sensibilidade política, capacidade e energia. É a melhor alternativa para se dar continuidade, aprofundando, no processo de construção de um Brasil para todos.

Um balanço do estado do país que se recebeu, das transformações que foram feitas e das que restam por fazer para a construção de um Brasil para todos, solidário, humanista, soberano e democrático, aponta essencialmente para três temas – entre tantos outros.

O neoliberalismo, ao desregulamentar a economia, promoveu uma gigantesca transferência de recursos do setor produtivo para o financeiro – sob sua forma especulativa. O endividamento dos países periféricos favoreceu a promoção desse capital a lugar privilegiado, capaz de produzir crises e desestabilização de governos, com seus ataques especulativos.

As independências – legais ou de fato – dos Bancos Centrais são expressões dessa hegemonia, assim como as altas taxas de juros, que remuneram esse capital, que por sua vez é parasitário, não produz bens, nem empregos, além de frear a capacidade de expansão da economia. As mudanças na política econômica do governo Lula, com a retomada do papel do Estado como indutor do crescimento econômico, fortaleceram contrapesos à hegemonia do capital financeiro, mas as tensões sobre taxas de juros – entre outras – revelam como o tema está pendente.

A passagem a um outro modelo, que promova expressamente a hegemonia do setor produtivo – sob suas distintas modalidades e em distintos setores da economia – ao lugar hegemônico, é um tema pendente, do qual depende não apenas a sustentabilidade econômica do Brasil, como a geração de empregos, a disponibilidade de recursos para políticas sociais, entre outros temas chaves no destino do país. A reincorporação do Banco Central como elemento orgânico articulado com o conjunto da política econômica do governo é outra questão pendente.

Por outro lado, o campo brasileiro – e, em grande medida, latinoamericano –passou por um processo de modernização conservadora, com a proliferação das grandes propriedades vinculadas ao agronegócio, que mudaram o panorama agrário no país. Intrinsecamente vinculado a esse processo esteve a proliferação dos transgênicos, nas grandes, medias e pequenas empresas. Se fortaleceu a pauta exportadora, deteriorando a terras, em detrimento da autosuficiencia alimentar, da economia familiar, da produção para o mercado interno.

A construção de um modelo agrário que contemple a exportação, mas que, antes de tudo, fixe os trabalhadores no campo, mediante a reforma agrária pendente, que incentive ainda mais a produção das pequenas e medias empresas, que coloque limites aos transgênicos e cuide da qualidade da terra, resta sem dúvida como uma questão central para o segundo mandato.

Uma terceira questão a enfrentar é a da quebra do monopólio empresarial da mídia privada. Não haverá um Brasil democrático sem formação democrática da opinião pública, para o que é necessário atuar em distintas direções. Primeiro, deixar de seguir privilegiando recursos governamentais em publicidades nos órgãos que representam cada vez menos – basta dizer que atacam todos, todos os dias, ao governo, e só conseguem ter 5% de rejeição do governo. Democratizar o acesso às publicidades do governo, seguir na linha de descentralização, de fomento às distintas formas de imprensa alternativa, incluindo rádios comunitárias, blogs e outras formas novas.

O que não impede que se tenha que fortalecer e melhorar muito os espaços da imprensa pública. É preciso melhorar a sua qualidade, seus recursos, democratizá-la ainda mais, articulá-la regional e internacionalmente, fazendo com que tenha papel central nas novas pautas do país e do mundo, participando dos grandes debates que o Brasil tem que enfrentar, junto às forças populares e culturais.

Em suma, democratizar econômica, social, política e culturalmente o Brasil é centralmente promover a esfera pública, a universalização dos direitos, revertendo o imenso processo de mercantilização da sociedade promovido pelo neoliberalismo, no corpo social, no Estado e nas mentes das pessoas.

Dois grandes desafios se colocam para o PT – além desses, a ser atacados a partir do governo. O primeiro é o desafio de centrar o trabalho de massas no apoio à organização desses imensos contingentes “lulistas” – para designar de alguma forma os amplos setores beneficiários das políticas sociais do governo, que o apóiam firmemente – e à sua consciência social, política e cultural, que ajude a transformá-lo em um sujeito político ativo no novo bloco social no poder que se necessita construir.

Essa é uma tarefa do PT como partido, mas também com os movimentos sociais e culturais, que deve traduzir as grandes transformações econômicas e sociais que o país está vivendo, em transformações políticas e culturais. Representaria mudar a base social em que se assenta o partido, reinserindo-o no novo panorama que a formação social brasileira apresenta, neste caminho de saída do modelo neoliberal para um pós-neoliberal.

A outra grande tarefa é a de geração, por múltiplos condutos, de novas formas de sociabilidade, alternativas ao “modo de vida norteamericano”, centrado este no consumismo, no individualismo, na violência, nas drogas, em religiões alienantes. Traduzir a generosidade das nossas políticas sociais em valores de solidariedade, de cooperação, de desalienação das consciências, de humanismo. (Mutirões como um para lugar contra o analfabetismo ainda fortemente reinantes entre nós, contribuiriam para isso).

Encarar e resolver positivamente esses desafios é encarar os maiores desafios na construção de um Brasil justo, soberano e solidário.

TEXTO DE EMIR SADER, PUBLICADO EM CARTA MAIOR, 12/02/2010

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O Parlasul e a construção da América do Sul

O Brasil assumiu a sul-americanidade na sua identidade internacional desde meados da década de 1990. A primeira iniciativa nessa linha foi a da Área de Livre Comércio Sul-Americana - ALCSA, em 1993, com Celso Amorim à frente da Chancelaria de Itamar Franco.
Com a primeira reunião dos chefes de Estado e Governo da América do Sul, realizada em Brasília, no ano 2000, a convite do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a ideia de América do Sul é revigorada, depois de um período praticamente encoberta pela crença kantiana da diplomacia de Cardoso no multilateralismo e pela sua estratégia de "inserção pela aceitação". E junto dela, outras iniciativas começam a ganhar corpo e vão dando contornos a um projeto brasileiro de construção e integração da região*. Ainda que oriundo da década de 1990, com o governo Lula essa estratégia sobre uma inflexão, alterando sua profundidade, grau de prioridade e se refletindo numa maior institucionalização do multilateralismo regional.

O horizonte regional do Brasil foi, portanto, redefinido ao longo dos anos. O Brasil já foi americano, latino-americano, e agora é sul-americano. Todavia, os arranjos subregionais não foram esquecidos. Ao contrário, servem de suporte à construção da América do Sul enquanto região, do mesmo modo que acredito que poderiam funcionais as regiões de integração de entes subnacionais, como o Zicozul.

Assim, o Parlamento do Mercosul não diz respeito apenas ao Mercosul, mas tem ressonâncias à todo o processo integracionista. Envolver a opinião pública nacional na escolha dos seus representantes no parlamento mercosulista, trazer questões de política externa para o debate política nacional, construir e consolidar no imaginário coletivo a ideia de América do Sul, ainda restrita ao Estado, seriam alguns dos aspectos positivos que as eleições diretas ao Parlasul poderiam trazer. Poderia se tratar do nascimento de uma força profunda pró-integração regional, na medida em que os brasileiros passariam a se ver explicitamente como sul-americanos.

São fatores que uma análise da funcionalidade dessa instituição deveria levar em consideração.
E os parlamentares, a academia, o setor privado e movimentos sociais interessados no tema da integração não poderiam deixar passar despercebido. O adiamento das eleições do Parlasul, provalmente para 2014, com certeza não colabora para acelerar o projeto de construção e integração da América do Sul.


*A respeito, ver meu livro: O horizonte regional do Brasil: Integração e Construção da América do Sul. Ed. Juruá. 2009.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Acerca de Chile e Ciro

A discussão do momento diz respeito às semelhanças e diferenças entre as eleições chilenas e o quadro eleitoral de 2010 no Brasil. E, intimamente ligado a isso, o futuro da candidatura Ciro Gomes e as perspectivas que a vitória de Piñera poderia ecoar no lado tucano.

Em relação à possibilidade de transferência de voto de um presidente com alta popularidade como é o caso de Bachelet, há uma contraposição recente que foi o a eleição uruguaia, na qual Tabaré Vásquez, também bem avaliado, conseguiu eleger o sucessor, Pepe Moijca - um ex-guerrilheiro. Tabaré, assim como Lula e o governo do PT, não contava com o desgaste dos 16 anos de governo da Concertação Chilena, e venceu as eleições passando por cima da imagem que a oposição tentou cunhar no seu candidato com relação à sua militância passada, buscando semelhanças com os líderes mais populistas e controversos sul-americanos.

Não é a eleição de Piñera, portanto, que serve de parâmetro único para refletirmos sobre as alternativas das eleições brasileiras desse ano. E, seguindo esse raciocínio, também não deveria servir como desculpa para o deslocamento da candidatura de Ciro Gomes ao governo de São Paulo, como prefere o presidente Lula.

Aparentemente em decadência, como demonstrou o recente estudo de Andre Singer sobre o Lulismo, o sentimento anti-PT ainda existe, e Lula é uma personalidade a parte. A adesão à Lula não garante adesão total ao PT e ao seu candidato, se bem que lhe confere alguma vantagem. Para vencer a eleição, no entanto, é preciso mais do que isso. Daí a necessidade vital que o Presidente perceba na aliança com o PMDB.

Nessa conta, Ciro é, certamente, o candidato reserva à vaga de vice-presidente de Dilma. Mesmo Lula parece ter se posicionado a esse respeito. O PMDB já se movimentou antecipando sua decisão, de modo a indicar que não haverá necessidade de substituição. Sua adesão à chapa governista seria certa.

Enquanto isso, Requião se movimenta. Alguns crêem que o lançamento da sua pré-candidatura responde ao movimento local de atração ao PT ao seu candidato, em detrimento do pedetista Osmar Dias. Eu creio que sua ambição é maior, e os nacionalistas que o apóiam (Mangabeira, Carlos Lessa) também buscam de fato um candidato que vocalize seu projeto. Mais forte, inclusive, que certos diretórios pemedebistas, como o gaúcho, que adotou, com Pedro Simom, uma postura oposicionista e estaria embarcando numa candidatura que se diz lulista, só que mais à esquerda.

Sobre o Rio Grande do Sul, também nos oferece algumas lições. O sentimento anti-pt, somado com o sentimento contra a situação, acabou restando o fortalecimento de uma terceira candidatura. Em 2002, o embate era entre Tarso(PT) e Brito(entao no PPS), e acabou dando Rigotto, que saiu com menos de 5% nas pesquisas. Em 2006, foi a vez de Olívio X Rigotto, e acabou dando Yeda. Calculo as chances de Beto Albuquerque (PSB), num confronto entre Tarso X Fogaça.

Em resumo, a candidatura de Dilma Roussef não sofre nenhum abalo a partir do exemplo da eleição chilena. Suas chances continuam as mesmas, altas. A aliança com o PMDB, se não é programática, com certeza é pragmática, e lhe confere mais vigor.

No caso do Ciro, seria o candidato à vice ideal. Caso o PMDB lance candidato próprio - o que me parece mais próximo do que se lançar na campanha tucana, seu lugar estaria assegurado. Seu deslocamento para São Paulo não deve ser justificado pela divisão da Concertación no Chile, mas pelo reconhecimento de que o sentimento anti-pt em são paulo é grande, e Ciro dá chance a uma candidatura progressista naquelas bandas conservadoras.E, com a falta de carisma até aqui demonstrada pela candidata governista, ainda que em queda nas pesquisas, Ciro concorrendo à presidência representa a possibilidade, mesmo que baixa, de a candidata de preferência de Lula não alcançar o segundo turno, já que Marina, deve se manter ao redor dos 10%.

Se Ciro não concorrer, e nenhum dos candidatos conseguir vencer no primeiro turno, Marina poderá ser a fiel da balança das eleições. Pra onde iria seu eleitorado? Creio que a maioria vai de Serra. Porque o eleitorado fiel do PT e de Lula deve ficar com Dilma. E a classe média atraída pelo discurso da sustentabilidade vai ser levada a se posicionar contra os elementos "perversos" do PAC e da candidata que o sustenta.

De qualquer forma, em qualquer cenário, as eleições devem ser apertadas. Mas, com a chapa PT/PMDB colada à imagem de Lula e com o apoio da candidatura de Ciro em São Paulo, a Dilma ainda me parece favorita.




terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A Bandeira do Planejamento

As expectativas para o crescimento da economia brasileira em 2010 são boas.

A retomada dos investimentos do Estado, vencendo a briga de foice com os monetaristas do banco central e as viúvas da Fazenda do Dr. Palocci, vem contribuindo para isso durante esse segundo governo Lula, inaugurado com o lançamento do PAC.

Todavia, mais do que crescer, é preciso saber em que direção. Não é à toa que muitos analistas indicam que o crescimento brasileiro está se dando em torno da retomada das exportações/preço das commodities, outros enfatizam a força do mercado interno, massificado pelas políticas de fortalecimento do salário mínimo e de transferência direta de renda.

Saber qual o Brasil que teremos no futuro, construir essa visão e buscar concretizá-la são tarefas do Planejamento. E o fortalecimento desse instrumento, sua capacidade de orientação, coordenação ou cooperação multissetorial, com densa base territorial, é, por si só, uma bandeira legítima a ser levantada.

E essa bandeira tem mobilizado um grupo de analistas de planejamento, dentre os quais o autor desse blog. A intenção é promover o debate sobre o planejamento no Brasil e na América do Sul, criar oportunidades de capacitação dos servidores e mecanismos para incentivá-los, de modo a contribuir para que o Estado cumpra o seu papel de reflexão e ação na busca do desenvolvimento.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Eleições 2010 – a definição dos vices.

Nesse contexto pré-eleitoral, estou ansioso para ver os planos de governos que serão apresentados pelas chapas que disputarão o planalto. Todavia, é uma ansiedade controlada, porque sei que os planos abordam muitos temas com certa generalidade, o que não poderia ser diferente.

Portanto, outro indicador das linhas possíveis que serão adotadas pelo presidente eleito pode ser a definição dos vice-presidentes na chapa. Esse assunto chama mais a atenção da mídia interessada que busca fulanizar a discussão.

O meu interesse não é pelo nome em si, mas o que representa em termos de orientação estratégica de governo.

Senão, vejamos:

A chapa do governo hoje apresentada como a mais provável, Dilma-Temer, representa a continuidade do que foi feito principalmente no segundo governo Lula, que já trazia uma vitória da ala mais desenvolvimentista, que pedia mais investimentos, com relação àquela representada por Palloci e Meirelles, interessada mais no controle do caixa.

Agora, caso a chapa seja Dilma – Meirelles, pode representar uma orientação diferente, ou seria apenas um para conquistar o eleitor satisfeito com a estabilidade financeira que se credita na conta do presidente do Banco Central?

E se o PMDB do B tiver força para lançar Requião? Será que haveria uma jogada de Requião ser o vice de Dilma, em torno do programa que ele representa, vinculado às idéias de Mangabeira Unger e outros nacionalistas, como Carlos Lessa e Darc Costa?

Ou sendo Requião candidato, haveria a possibilidade de Ciro ser vice de Dilma, ficando o apoio do PMDB para o segundo turno? O que isso significaria em termos de política econômica e de políticas sociais?

Os dois último são Lulistas. Defendem os avanços sociais alcançados pelo atual governo. Um fala no comprometimento da política econômica com o capital vadio, o outro fala bate mais na questão da institucionalização dos avanços alcançados.

E do lado da oposição? Com os acertos no Rio de Janeiro, será que tem chance de ocorrer a Chapa Serra-Marina? Parece que a Chapa Marina Silva-PSOL ficou inviabilizado com o movimento de aproximação do PV com o PSDB no Rio de Janeiro, e a Marina tomou o rumo da direita.

Ainda assim, meu palpite é que essa chapa não vingará. Marina e Serra serão candidatos em chapas distintas em 2010. E Marina deverá apresentar-se neutra no segundo turno.

Ciro sai candidato? E com que vice, com qual coligação? Qual o projeto? Em que consegue se diferenciar da proposta do PT? Dizem que, nos bastidores, poderá contar com o apoio do Aécio.

Carlos Lessa, do PSB-RJ, já sinalizou apoio à Requião. Mas, como personalidade de vôo solo, não indica nada.

Mesmo com o provável cenário da eleição plebiscitária, muitas coisas estão indefinidas. Eu, de momento, já me defini. Posso ser classificado como eleitor indeciso, pelo menos até que as coisas fiquem mais claras.

Começam os estaduais 2010

Depois de muitos ensaios, o primeiro post do blog acaba sendo sobre futebol mesmo, parte da circunstância que me envolve.

Os atuais clubes-empresas em que se transformaram nossos times os aproximaram da lógica de operação das igrejas neopentecostais. As estratégias do moderno marketing esportivo dos clubes trabalha a paixão do crente, do torcedor. O ato de torcer se converte no ato de consumir os produtos oficiais, os planos de associação, os passaportes para os jogos. O crente, movido por sua fé, contribui periodicamente com a igreja, compra os livros, cartilhas, cânticos e vídeos. Usam de um sentimento elevado para aumentar sua rede e aumentar o seu lucro.

Ao mesmo tempo em que os clubes foram lançados no mercado global por conta da divisão internacional do futebol cujo centro é o mercado europeu, ao qual se agregam agora os novos mercados asiático e árabe, os clubes foram cada vez mais se desterritorializando, se desconectando da comunidade ao seu redor que lhe dava suporte. Os clubes são agentes de um mercado global, movimentam-se por meios de empresários do futebol que se conectam a redes internacionais, e não mais o retrato do esforço da comunidade, para a qual você torcia como parte de torcer por si mesmo.

Assim aprendemos a torcer desde pequenos. Pelos nossos pais, amigos, vizinhos, quando os acompanhamos nos primeiros passeios esportivos. Ficava ansioso quando o meu pai ou meu irmão mais velho me convidavam para acompanhá-los em alguma pelada. A sua vitória era a minha vitória, a nossa vitória. Depois, essa relação se transfere para a escola. Torcemos pelo time da nossa turma, depois pelo time da escola nos eventos inter-escolares. E o mesmo sentimento temos em relação ao time da nossa cidade, que algumas vezes ainda são parte do clube que freqüentamos e somos sócios.

Quando alguém critica os campeonatos estaduais, logo essa relação que me vem a mente. E o que aconteceria com esses times que movimentam, ou movimentaram, as cidades pequenas, os torcedores que apoiavam não apenas o time, mas a sua cidade e queriam vê-la superar a cidade vizinha, sempre rival? Agora, essa relação não movimenta milhões, não gera o espetáculo televiso ao grande público. Mas está na base de todo o negócio que se transformou o futebol.

A evolução do futebol soube aproveitar essas ligações emotivas que temos com o ato de torcer, com a paixão que nos liga a uma instituição, e transformou isso num grande negócio. Você está ligado a um símbolo superior, que toma seu espaço quase naturalmente estimulado pela família ou amigos que crêem. Algumas vezes, toma o espaço da família, o tempo dos filhos, ou, mais forte ainda, se torna parte da família. É mais um filho que você tem que cuidar. Se não cuidar, pode perder, e a culpa será sua.

É por isso que futebol não dá espaço para a racionalidade. É um fundamentalismo aceito e estimulado, embora algumas vezes inclusive violento.

E é por isso que é tão difícil se desvincilhar dele. Que venham os estaduais. Que sejam bem-vindos os clubes do interior.

E dá-lhe Grêmio.