terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O Parlasul e a construção da América do Sul

O Brasil assumiu a sul-americanidade na sua identidade internacional desde meados da década de 1990. A primeira iniciativa nessa linha foi a da Área de Livre Comércio Sul-Americana - ALCSA, em 1993, com Celso Amorim à frente da Chancelaria de Itamar Franco.
Com a primeira reunião dos chefes de Estado e Governo da América do Sul, realizada em Brasília, no ano 2000, a convite do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a ideia de América do Sul é revigorada, depois de um período praticamente encoberta pela crença kantiana da diplomacia de Cardoso no multilateralismo e pela sua estratégia de "inserção pela aceitação". E junto dela, outras iniciativas começam a ganhar corpo e vão dando contornos a um projeto brasileiro de construção e integração da região*. Ainda que oriundo da década de 1990, com o governo Lula essa estratégia sobre uma inflexão, alterando sua profundidade, grau de prioridade e se refletindo numa maior institucionalização do multilateralismo regional.

O horizonte regional do Brasil foi, portanto, redefinido ao longo dos anos. O Brasil já foi americano, latino-americano, e agora é sul-americano. Todavia, os arranjos subregionais não foram esquecidos. Ao contrário, servem de suporte à construção da América do Sul enquanto região, do mesmo modo que acredito que poderiam funcionais as regiões de integração de entes subnacionais, como o Zicozul.

Assim, o Parlamento do Mercosul não diz respeito apenas ao Mercosul, mas tem ressonâncias à todo o processo integracionista. Envolver a opinião pública nacional na escolha dos seus representantes no parlamento mercosulista, trazer questões de política externa para o debate política nacional, construir e consolidar no imaginário coletivo a ideia de América do Sul, ainda restrita ao Estado, seriam alguns dos aspectos positivos que as eleições diretas ao Parlasul poderiam trazer. Poderia se tratar do nascimento de uma força profunda pró-integração regional, na medida em que os brasileiros passariam a se ver explicitamente como sul-americanos.

São fatores que uma análise da funcionalidade dessa instituição deveria levar em consideração.
E os parlamentares, a academia, o setor privado e movimentos sociais interessados no tema da integração não poderiam deixar passar despercebido. O adiamento das eleições do Parlasul, provalmente para 2014, com certeza não colabora para acelerar o projeto de construção e integração da América do Sul.


*A respeito, ver meu livro: O horizonte regional do Brasil: Integração e Construção da América do Sul. Ed. Juruá. 2009.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Acerca de Chile e Ciro

A discussão do momento diz respeito às semelhanças e diferenças entre as eleições chilenas e o quadro eleitoral de 2010 no Brasil. E, intimamente ligado a isso, o futuro da candidatura Ciro Gomes e as perspectivas que a vitória de Piñera poderia ecoar no lado tucano.

Em relação à possibilidade de transferência de voto de um presidente com alta popularidade como é o caso de Bachelet, há uma contraposição recente que foi o a eleição uruguaia, na qual Tabaré Vásquez, também bem avaliado, conseguiu eleger o sucessor, Pepe Moijca - um ex-guerrilheiro. Tabaré, assim como Lula e o governo do PT, não contava com o desgaste dos 16 anos de governo da Concertação Chilena, e venceu as eleições passando por cima da imagem que a oposição tentou cunhar no seu candidato com relação à sua militância passada, buscando semelhanças com os líderes mais populistas e controversos sul-americanos.

Não é a eleição de Piñera, portanto, que serve de parâmetro único para refletirmos sobre as alternativas das eleições brasileiras desse ano. E, seguindo esse raciocínio, também não deveria servir como desculpa para o deslocamento da candidatura de Ciro Gomes ao governo de São Paulo, como prefere o presidente Lula.

Aparentemente em decadência, como demonstrou o recente estudo de Andre Singer sobre o Lulismo, o sentimento anti-PT ainda existe, e Lula é uma personalidade a parte. A adesão à Lula não garante adesão total ao PT e ao seu candidato, se bem que lhe confere alguma vantagem. Para vencer a eleição, no entanto, é preciso mais do que isso. Daí a necessidade vital que o Presidente perceba na aliança com o PMDB.

Nessa conta, Ciro é, certamente, o candidato reserva à vaga de vice-presidente de Dilma. Mesmo Lula parece ter se posicionado a esse respeito. O PMDB já se movimentou antecipando sua decisão, de modo a indicar que não haverá necessidade de substituição. Sua adesão à chapa governista seria certa.

Enquanto isso, Requião se movimenta. Alguns crêem que o lançamento da sua pré-candidatura responde ao movimento local de atração ao PT ao seu candidato, em detrimento do pedetista Osmar Dias. Eu creio que sua ambição é maior, e os nacionalistas que o apóiam (Mangabeira, Carlos Lessa) também buscam de fato um candidato que vocalize seu projeto. Mais forte, inclusive, que certos diretórios pemedebistas, como o gaúcho, que adotou, com Pedro Simom, uma postura oposicionista e estaria embarcando numa candidatura que se diz lulista, só que mais à esquerda.

Sobre o Rio Grande do Sul, também nos oferece algumas lições. O sentimento anti-pt, somado com o sentimento contra a situação, acabou restando o fortalecimento de uma terceira candidatura. Em 2002, o embate era entre Tarso(PT) e Brito(entao no PPS), e acabou dando Rigotto, que saiu com menos de 5% nas pesquisas. Em 2006, foi a vez de Olívio X Rigotto, e acabou dando Yeda. Calculo as chances de Beto Albuquerque (PSB), num confronto entre Tarso X Fogaça.

Em resumo, a candidatura de Dilma Roussef não sofre nenhum abalo a partir do exemplo da eleição chilena. Suas chances continuam as mesmas, altas. A aliança com o PMDB, se não é programática, com certeza é pragmática, e lhe confere mais vigor.

No caso do Ciro, seria o candidato à vice ideal. Caso o PMDB lance candidato próprio - o que me parece mais próximo do que se lançar na campanha tucana, seu lugar estaria assegurado. Seu deslocamento para São Paulo não deve ser justificado pela divisão da Concertación no Chile, mas pelo reconhecimento de que o sentimento anti-pt em são paulo é grande, e Ciro dá chance a uma candidatura progressista naquelas bandas conservadoras.E, com a falta de carisma até aqui demonstrada pela candidata governista, ainda que em queda nas pesquisas, Ciro concorrendo à presidência representa a possibilidade, mesmo que baixa, de a candidata de preferência de Lula não alcançar o segundo turno, já que Marina, deve se manter ao redor dos 10%.

Se Ciro não concorrer, e nenhum dos candidatos conseguir vencer no primeiro turno, Marina poderá ser a fiel da balança das eleições. Pra onde iria seu eleitorado? Creio que a maioria vai de Serra. Porque o eleitorado fiel do PT e de Lula deve ficar com Dilma. E a classe média atraída pelo discurso da sustentabilidade vai ser levada a se posicionar contra os elementos "perversos" do PAC e da candidata que o sustenta.

De qualquer forma, em qualquer cenário, as eleições devem ser apertadas. Mas, com a chapa PT/PMDB colada à imagem de Lula e com o apoio da candidatura de Ciro em São Paulo, a Dilma ainda me parece favorita.




terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A Bandeira do Planejamento

As expectativas para o crescimento da economia brasileira em 2010 são boas.

A retomada dos investimentos do Estado, vencendo a briga de foice com os monetaristas do banco central e as viúvas da Fazenda do Dr. Palocci, vem contribuindo para isso durante esse segundo governo Lula, inaugurado com o lançamento do PAC.

Todavia, mais do que crescer, é preciso saber em que direção. Não é à toa que muitos analistas indicam que o crescimento brasileiro está se dando em torno da retomada das exportações/preço das commodities, outros enfatizam a força do mercado interno, massificado pelas políticas de fortalecimento do salário mínimo e de transferência direta de renda.

Saber qual o Brasil que teremos no futuro, construir essa visão e buscar concretizá-la são tarefas do Planejamento. E o fortalecimento desse instrumento, sua capacidade de orientação, coordenação ou cooperação multissetorial, com densa base territorial, é, por si só, uma bandeira legítima a ser levantada.

E essa bandeira tem mobilizado um grupo de analistas de planejamento, dentre os quais o autor desse blog. A intenção é promover o debate sobre o planejamento no Brasil e na América do Sul, criar oportunidades de capacitação dos servidores e mecanismos para incentivá-los, de modo a contribuir para que o Estado cumpra o seu papel de reflexão e ação na busca do desenvolvimento.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Eleições 2010 – a definição dos vices.

Nesse contexto pré-eleitoral, estou ansioso para ver os planos de governos que serão apresentados pelas chapas que disputarão o planalto. Todavia, é uma ansiedade controlada, porque sei que os planos abordam muitos temas com certa generalidade, o que não poderia ser diferente.

Portanto, outro indicador das linhas possíveis que serão adotadas pelo presidente eleito pode ser a definição dos vice-presidentes na chapa. Esse assunto chama mais a atenção da mídia interessada que busca fulanizar a discussão.

O meu interesse não é pelo nome em si, mas o que representa em termos de orientação estratégica de governo.

Senão, vejamos:

A chapa do governo hoje apresentada como a mais provável, Dilma-Temer, representa a continuidade do que foi feito principalmente no segundo governo Lula, que já trazia uma vitória da ala mais desenvolvimentista, que pedia mais investimentos, com relação àquela representada por Palloci e Meirelles, interessada mais no controle do caixa.

Agora, caso a chapa seja Dilma – Meirelles, pode representar uma orientação diferente, ou seria apenas um para conquistar o eleitor satisfeito com a estabilidade financeira que se credita na conta do presidente do Banco Central?

E se o PMDB do B tiver força para lançar Requião? Será que haveria uma jogada de Requião ser o vice de Dilma, em torno do programa que ele representa, vinculado às idéias de Mangabeira Unger e outros nacionalistas, como Carlos Lessa e Darc Costa?

Ou sendo Requião candidato, haveria a possibilidade de Ciro ser vice de Dilma, ficando o apoio do PMDB para o segundo turno? O que isso significaria em termos de política econômica e de políticas sociais?

Os dois último são Lulistas. Defendem os avanços sociais alcançados pelo atual governo. Um fala no comprometimento da política econômica com o capital vadio, o outro fala bate mais na questão da institucionalização dos avanços alcançados.

E do lado da oposição? Com os acertos no Rio de Janeiro, será que tem chance de ocorrer a Chapa Serra-Marina? Parece que a Chapa Marina Silva-PSOL ficou inviabilizado com o movimento de aproximação do PV com o PSDB no Rio de Janeiro, e a Marina tomou o rumo da direita.

Ainda assim, meu palpite é que essa chapa não vingará. Marina e Serra serão candidatos em chapas distintas em 2010. E Marina deverá apresentar-se neutra no segundo turno.

Ciro sai candidato? E com que vice, com qual coligação? Qual o projeto? Em que consegue se diferenciar da proposta do PT? Dizem que, nos bastidores, poderá contar com o apoio do Aécio.

Carlos Lessa, do PSB-RJ, já sinalizou apoio à Requião. Mas, como personalidade de vôo solo, não indica nada.

Mesmo com o provável cenário da eleição plebiscitária, muitas coisas estão indefinidas. Eu, de momento, já me defini. Posso ser classificado como eleitor indeciso, pelo menos até que as coisas fiquem mais claras.

Começam os estaduais 2010

Depois de muitos ensaios, o primeiro post do blog acaba sendo sobre futebol mesmo, parte da circunstância que me envolve.

Os atuais clubes-empresas em que se transformaram nossos times os aproximaram da lógica de operação das igrejas neopentecostais. As estratégias do moderno marketing esportivo dos clubes trabalha a paixão do crente, do torcedor. O ato de torcer se converte no ato de consumir os produtos oficiais, os planos de associação, os passaportes para os jogos. O crente, movido por sua fé, contribui periodicamente com a igreja, compra os livros, cartilhas, cânticos e vídeos. Usam de um sentimento elevado para aumentar sua rede e aumentar o seu lucro.

Ao mesmo tempo em que os clubes foram lançados no mercado global por conta da divisão internacional do futebol cujo centro é o mercado europeu, ao qual se agregam agora os novos mercados asiático e árabe, os clubes foram cada vez mais se desterritorializando, se desconectando da comunidade ao seu redor que lhe dava suporte. Os clubes são agentes de um mercado global, movimentam-se por meios de empresários do futebol que se conectam a redes internacionais, e não mais o retrato do esforço da comunidade, para a qual você torcia como parte de torcer por si mesmo.

Assim aprendemos a torcer desde pequenos. Pelos nossos pais, amigos, vizinhos, quando os acompanhamos nos primeiros passeios esportivos. Ficava ansioso quando o meu pai ou meu irmão mais velho me convidavam para acompanhá-los em alguma pelada. A sua vitória era a minha vitória, a nossa vitória. Depois, essa relação se transfere para a escola. Torcemos pelo time da nossa turma, depois pelo time da escola nos eventos inter-escolares. E o mesmo sentimento temos em relação ao time da nossa cidade, que algumas vezes ainda são parte do clube que freqüentamos e somos sócios.

Quando alguém critica os campeonatos estaduais, logo essa relação que me vem a mente. E o que aconteceria com esses times que movimentam, ou movimentaram, as cidades pequenas, os torcedores que apoiavam não apenas o time, mas a sua cidade e queriam vê-la superar a cidade vizinha, sempre rival? Agora, essa relação não movimenta milhões, não gera o espetáculo televiso ao grande público. Mas está na base de todo o negócio que se transformou o futebol.

A evolução do futebol soube aproveitar essas ligações emotivas que temos com o ato de torcer, com a paixão que nos liga a uma instituição, e transformou isso num grande negócio. Você está ligado a um símbolo superior, que toma seu espaço quase naturalmente estimulado pela família ou amigos que crêem. Algumas vezes, toma o espaço da família, o tempo dos filhos, ou, mais forte ainda, se torna parte da família. É mais um filho que você tem que cuidar. Se não cuidar, pode perder, e a culpa será sua.

É por isso que futebol não dá espaço para a racionalidade. É um fundamentalismo aceito e estimulado, embora algumas vezes inclusive violento.

E é por isso que é tão difícil se desvincilhar dele. Que venham os estaduais. Que sejam bem-vindos os clubes do interior.

E dá-lhe Grêmio.