O Presidente Lula, em fim de mandato, não poderia apagar as luzes da sua política regional contrariando a maré da maioria. Quando a nova instituição for criada, se conseguir cumprir o prazo estabelecido em Cancun, Lula não estará mais em cena como o personagem principal, ainda que sua atuação nos bastidores ou em outros palcos internacionais ainda possa ser importante. Não pode ser acusado de não ouvir os vizinhos, mas, conhecendo o que dizem, sabe que do discurso à prática o caminho é complicado.
Lula logo tratou de negar que a nova instituição seria uma afronta aos EUA, mostrando maturidade da postura brasileira e a revelando que a abertura de novas frentes não significa o encerramento de relacionamentos tradicionais. Segundo o presidente, "ninguém é ingênuo para criar ruptura com os EUA ou União Europeia, até porque sabemos a importância dos Estados Unidos na relação com todos os países, tanto comercial quanto política. Nós queremos manter esta boa relação. Nós queremos ainda que, mantendo esta boa relação, ter um espaço de discussão entre nós mesmos, falando da nossa realidade e construindo uma nova realidade para nós, para manter espaço"[2]
Ainda, a nova instituição, embora não tome o lugar prioritário das relações regionais do país, também não a contraria. A atenção ás normas internacionais enquanto traduções concretas da ordem internacional, concentradora, atual, recomenda a prudência quanto à atuação das agências internacionais tradicionais, bem como a busca de alternativas institucionais que dêem voz aos emergentes. Essa análise sombreia a atuação internacional do país, mais escaldado quanto ao multilateralismo global e promotor da institucionalidade regional.
Nessa mesma linha, a permanente construção do bloco sul-americano, projeto necessariamente de longo prazo, enseja o entendimento prioritário brasileiro-argentino-venezuelano, as três maiores economias sul-americanas, que esse entendimento seja acompanhado por boas relações com os demais vizinhos, e que tudo isso seja institucionalizado.
A UNASUL responde ao último ponto. O reconhecimento, em primeira ordem, das assimetrias entre os países da região, bem como as soluções encontradas ou ainda em construção nas relações com a Bolívia e Paraguai, principalmente, dão indícios que a relação do Brasil com os países menores não estão sendo negligenciadas. Enfim, a posição brasileira, ladeando a Argentina na sua reclamação quanto à mudança de atitude da Inglaterra nas Malvinas, agora buscando efetivar a exploração de Petróleo, trata de consolidar o primeiro ponto, numa pauta da mais alta importância política para os Argentinos.
Isso não significa que ocorrerá uma nova ação militar nas Malvinas. A disposição para mediação, diálogo e negociação, em favor dos interesses dos emergentes, países do sul ou periféricos, parece ser a marca pessoal que o presidente Lula quer deixar no palco internacional. Sua pretensão de continuar atuando na política internacional, seja em favor da África, América Latina, ocupando um cargo onusiano ou em alguma organização internacional de presença relevante – embora pareça não ter aceitado a sugestão de Chávez de ficar à frente da nova organização[3] – confere utilidade prática à sua marca. E, nessa linha, a declaração do presidente Lula aproxima a argentina do Brasil, sem amarrar o Brasil à argentina, mas alinhando o interesse dos dois, e da América do Sul em geral, para discussões e negociações de peso no cenário internacional. É a continuidade de um processo de afirmação da região como um bloco no sistema internacional multipolar que se configura, e não mais como sub-região submissa à atuação de uma potência e de seus aliados.
[1] Ver notas à imprensa do Itamaraty sobre a Cúpula de Cancun, disponíveis em http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/index3.asp
[2] Lula volta a defender o Irã na Cúpula do México, Revista Veja, disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/lula-volta-defender-ira-cupula-mexico-535467.shtml
[3] Para Lula, crise econômica contribui para sucesso da cúpula, em edição on line de O Estado de São Paulo, de 23.02.2010, disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,para-lula-crise-economica-contribuiu-para-sucesso-da-cupula,515182,0.htm
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ResponderExcluirLeandro, concordo com sua análise no sentido de que a participação do Brasil nessa nova iniciativa de integração envolvendo os países da América Latina e do Caribe não implica necessariamente em uma correção de rumos da política externa brasileira, em que o Brasil deixaria em plano segundário o projeto político-estratégico de construção de um bloco sul-americano e passaria a investir pesadamente na formação de um bloco latino-americano. Contudo, acho importante analisar a iniciativa por um outro ângulo: até que ponto o entusiasmo de países da América do Sul, notadamente a Venezuela, com a nova iniciativa não esvaziaria o projeto de construção do bloco Sul-Americano?
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