domingo, 30 de maio de 2010

As contradições da estratégia dos Estados Unidos

Embora não seja minha especialidade, acho necessário e salutar que haja mais análise sobre a política externa dos Estados Unidos. A postura internacional norte-americana é um elemento-chave para as possibilidades da atuação brasileira no mundo. A queda relativa da posição dos EUA frente a países emergentes tanto na área econômica como política revela-se central para o processo de construção de uma nova ordem global, já em curso.

E, nesse contexto, os EUA optam, claramente desde o início década de 2000, por relativizar o peso do multilateralismo, acionando-o apenas quando lhe serve como legitimizador de seu interesse perante à comunidade internacional. Seu multilateralismo passou a ser seletivo, conferindo a mesma importância às instituições regionais aquela conferida às Nações Unidas. Quando as instituições regionais não subscrevessem totalmente suas ações, fortalecia seu unilateralismo intervencionista.

Os EUA não são mais o líder inconteste que moldaram a ordem internacional forjada nos extertores da segunda guerra mundial. Se nenhuma das grandes questões mundiais pode ser resolvido sem o envolvimento dos Estados Unidos, como declarou a Secretária de Estado Hillary Clinton, também os Estados Unidos sozinho têm condições de resolver, com nível de razoável estabilidade, qualquer uma das grandes questões mundiais.

O Governo Obama não tem apenas frustrado as expectativas, mas também titubeado nas grandes questões internacionais que se envolveu até aqui, desde o conflito israel-palestino, a crise de Honduras, suas relações com a China ou mesmo no caso do Irã. Até mesmo o óleo da costa do México já começa a respingar na imagem de Obama. O ponto prioritário da agenda estadunidense não parece ser a estabilidade da ordem internacional, mas a defesa dos diversos interesses norte-americanos, expressos no emaranhado de grupos de pressão e lobbistas que circulam por Washington. Em alguns casos, eles serão coincidentes com os interesses universais(?). Quando não forem, dane-se o mundo?

As discussões em torno das mudanças no sistemas de saúde norte-americano mostraram que Obama está longe de trazer uma unidade aos EUA. As condições internas importam para que se consiga projetar, globalmente, poder e influência. Ainda que a economia norte-americana dê sinais de recuperação, sua posição relativa diminui frente ao crescimento econômico maior alcançado nos últimos anos pelas economias emergentes. Mas os EUA relutam em aceitar novos membros nos exclusivos clubes que abrigam as principais decisões políticas e econômicas internacionais.  

Nessa linha, preferem tratar com parceiros preferenciais, seus tradicionais aliados europeus e a nova aliança estratégica com a China, no chamado G2. As posições dos gigantes, no entanto, muitas vezes não são  convergentes, e a China tem demonstrado isso constantemente. Parece ser a postura do Governo Obama com a China carente de realismo. É uma vigia para não deixar que China passe dos limites do aceitável, mas o país asiático consegue empurrar essas linhas sempre um pouco mais adiante, fazendo os EUA se acomodarem com a nova situação criada. Ademais, é preciso ir além do discurso para conseguir disputar com a China, que é sua principal concorrente, e outras potências emergentes a corrida que se trava pela influência  na África.


Propagam-se executores agora de um "smart power" construindo coalizões que resolvam as grandes questões internacionais do momento, dentre as quais os conflitos interestatais dão espaço para as ameaças que afetam a todos os estados. Nessa busca de coalizões, tratam de prover incentivos àqueles Estados que são parte da solução e restringir a atuação daqueles que não são. Estamos diante da retomada da interpretação maniqueísta do mundo, que pensávamos que sairia de cena com o segundo Bush?

Boa parte da comunidade internacional percebeu as contradições da política externa americana e entende os EUA como uma importante voz a ser ouvida, mas nunca mais a única. A propósito, é curioso observar a postura anacrônica da oposição no Brasil a alardear a opinião pública em favor de uma postura de alinhamento automático com Washington. Outras vozes importam, há espaço para aqueles que têm o que dizer, se não pelo desejo dos Estados Unidos pelas necessidades surgidas no momento de transição do sistema internacional.

A grande contradição, me parece, é propagar a democracia como o mais caro valor norte-americano a ser promovido ao redor do mundo, e evitar instituições internacionais mais democráticas. Com mais vozes e votos, sua força posição se relativiza ainda mais. E esse é o grande problema. Assim que, no caso do Irã, não aplicar as sanções ao país dos Aiatolás representa uma derrota aos EUA muito maior do que a vitória que o Brasil atingiu, junto com a Turquia, na assinatura do acordo com Ahmadinejad.

Que os outros sejam emergentes, pode-se aceitar, e tentar controlar seus limites. Que os EUA seja decadente, obviamente, é inaceitável. Será possível conciliar os dois movimentos ou a outrora potência una mundial está nadando contra uma corrente que seguirá, inevitavelmente, seu próprio curso? Até agora, parece-me que ou os EUA passam a aceitar uma ordem mais democrática ou serão cada vez mais questionados.
   
  



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