segunda-feira, 7 de junho de 2010

Complementaridades e princípios

Esse é o primeiro post sobre os artigos que compões o livro Brasil: entre o passado e o futuro, organizado por Emir Sader e Marco Aurélio Garcia, lançado no congresso do Partido dos Trabalhadores que oficializou o nome de Dilma Roussef como pré-candidata à presidência da república. E, pelo viés deste humilde blogueiro, trata do texto de política externa, escrito pelo próprio Marco Aurélio Garcia, assessor especial de assuntos internacionais da Presidência da República.

No geral, o texto apresenta críticas superficiais à política externa do governo FHC e destaca as principais linhas da política externa de Lula, sem apresentar qualquer novidade em termos de propostas quanto à política externa de um possível novo governo comandado pelo PT. De fato, traduz que  Dilma representa, sobretudo, à continuidade do Governo Lula, sendo este o seu principal mérito.

Dois temas são marcantes no texto de MAG. O primeiro se refere às complementaridades.
Complementaridades entre (a) as condições internas construídas durante o Governo Lula que preenche, segundo sua visão, uma lacuna histórica do desenvolvimento brasileiro - modernizar o país promovendo um mudança estrutural, sobretudo pelo enfrentamento das desigualdades e (b) a realidade do sistema internacional que transparece a queda da hegemonia americana e a ascensão da Ásia (China, Índia e Rússia) na construção de um mundo multipolar que ainda preza o multilateralismo. Dessa complementaridade, surgem as opções de movimentação internacional do Brasil, que mostra uma política externa ativa e altiva, nos dizeres do seu Chanceler. E que busca complementaridade entre altivez e solidariedade, e entre solidariedade e interesse nacional, principalmente no tratamento de sua grande prioridade - o relacionamento com os vizinhos sul-americanos. A integração regional, nesse ponto, é apresentada como um elemento constitutivo do projeto nacional de desenvolvimento.

A prioridade concedida à América do Sul é apresentada como parte complementar a um movimento maior de articulação Sul-Sul, no qual se destaca a articulação do Brasil junto à África do Sul e Índia, formando o fórum IBAS, à aproximação com os BRICs, além de fóruns inter-regionais que fortalecem a presença da América do Sul como sujeito político internacional.

O segundo aspecto destacado pelo professor Marco Aurélio Garcia são os princípios nos quais se assentam a atual política externa brasileira, que a difere da processada durante o governo anterior. Em primeiro lugar, um renovado sentimento de afirmação nacional de um país que busca ampliar seu espaço no cenário global, mostrar-se acima das suas sandálias, superar o complexo de vira-lata que norteara a projeção internacional do Brasil. Às críticas de partidarização da política externa, sua posição é firme: relembra-nos da filiação partidária do então chanceler Cardoso, ainda no governo Itamar, das linhagens tucanas de Celso Lafer, mostrando que, ao lado de outros exemplos, essa é uma prática normal que perpassa todos os governos. A implementação de políticas não deve ser um exercício meramente técnico. defende com razão.

Em segundo lugar, a confiança em um multilateralismo renovado, que possa lhe conferir nova legitimidade e perfil democrático.  A adjetivação do multilateralismo invoca a necessidade de reforma das principais instituições que conformam a atual ordem internacional, desde o CSNU, até o FMI e Banco Mundial, advogando ao Brasil um papel importante nessa construção. Não serviria a diplomacia a uma mera função pedagógica, ensinando os atores domésticos a se comportar de acordo com as normas internacionais, mas estaria ela, antes disso, envolvida e esforçada na construção dessas normas.

O autor não sublinha, contudo, as eventuais dificuldades que o sistema internacional impõe ao Brasil a partir do momento que se mostra um ator menos coadjuvante no palco mundial. As defesas dos EUA para evitar o seu próprio declínio econômico e político, as concorrências com os novos emergentes e os múltiplos arranjos existentes entre as tradicionais e novas potências.

Na tradução do seu presente, faltou uma leitura mais cuidadosa do atual sistema internacional e das suas possibilidades futuras. A complementaridade das relações sul-sul com aquelas tradicionais e importantes ligações com o norte também foi um tanto negligenciada. Conquanto isso possa ainda impor dúvidas sobre as melhores opções de política externa a serem executadas no futuro próximo,  não deveria obscurecer o destaque que merecem os avanços obtidos pela atual política externa com relação ao seu passado mais recente.

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