domingo, 20 de junho de 2010

Instituições de Estado e carreiras públicas - o caso do portal do planejamento

Esse semana, o Ministério do Planejamento lançou o portal do planejamento, contendo uma série de documentos desenvolvidos pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos da SPI/MP. Trata-se de um dos melhores trabalhados já desenvolvidos por aquela Secretaria a respeito das políticas públicas em curso no país, divididas por temas, apontando aspectos positivos e negativos em todas elas.


A imprensa logo aproveitou do material para explorar as críticas e municiar a oposição. Reacendeu um franco de fogo amigo dentro do governo, e alguns dos principais veículos de comunicação do país repercutiram o tema, a começar pelo Valor Econômico, que deu a página especial de sexta-feira, a CBN, Estadão, Veja e Globo.


Como resposta, o governo retirou do ar o portal. E isso gerou nova polêmica na imprensa e também dentre os colegas analistas de planejamento e orçamento, que compõem a maioria do corpo técnico da secretaria. Misturaram-se, de um lado, naturais distintos posicionamentos políticos em uma carreira que abraça perfis diversos e incômodo do corpo técnico com a direção com as percepções com relação ao desenvolvimento do projeto e o posicionamento da carreira e da instituição dentro do jogo político do governo.


No meu ponto de vista, de quem tem na SPI a sua principal referência de trabalho mas vê o processo com uma certa distância, a discussão alimenta alguns debates que devem ser encarados de frente: a questão da neutralidade técnica, a separação entre Governo e Estado, mecanismos de incentivo ao exercício da democracia e transparência da ação pública e, por fim, a posição diferenciada que existe entre as instituições de estado e as carreiras públicas.

Encaro a pretensa neutralidade técnica, ou a postura imparcial da burocracia como uma falácia. A defesa de neutralidade tem, ainda que indiretamente, impactos para um ou outro lado. Ademais, por trás dessa postura, muitos escondem preferências políticas que não explicitam seja por comodismo dos cargos que ocupam ou pelo risco que, naturalmente, isso acarreta. Obviamente que a imprensa pode usar o episódio, e está o usando, da forma que mais lhe convém, e isso não deve ser o único fator que oriente as nossas ações. Mas desconhecer, ou querer desconsiderar, os impactos políticos das nossas ações é muita pretensão da nossa parte, e pode, inclusive, nos distanciar ainda mais do núcleo decisório do governo.

Isso tem a ver com a discussão, que sempre considerei ilusória, de separação entre estado e governo. "Somos uma instituição de estado" e devemos ficar alheios às influências políticas. Isso não me parece real. Aliás, não há Estado sem governo, embora, se quiserem, possa haver governo sem Estado. Não há como separar claramente as duas coisas. No entanto, há espaço, ou deveria haver (e não estou dizendo que há o suficiente nesse governo) para construções que ultrapassem os limites dos governos. Mas isso deve envolver toda a sociedade, ou os mais múltiplos atores possíveis, e não apenas a burocracia.

E essa discussão, por sua vez, se conecta com a defesa da transparência e da democracia. Sou um defensor constante da abertura de mais canais de interlocução da sociedade com o governo. Acho que as tecnologias da informação ajudam isso, a internet em particular, mas ainda temos muito o que avançar. Creio que as fórmulas apresentadas até hoje ainda não conseguiram resolver essa questão, tanto do ponto de vista político como técnico/burocrático. Entendo, no entanto, que a discussão em torno da publicação do portal, pra quem o vê de fora, embora exercício extremamente válido para a melhoria das políticas públicas, pode também muito bem ser entendido como parte de um processo decisório interno ao governo, que não necessariamente precisa ser publicizado, e também não se confunde com democracia participativa. Embates como esse há em qualquer governo , mas normalmente o que se externa é apenas a resultante do jogo de forças políticas que se enfrentam dentro do governo. Me parece que alguém "comeu bola" em publicar uma coisa não discutida internamente, ainda mais num período de tensão pré-eleitoral. Nesse sentido, compreendo a retirada do portal do ar.

Isso não significa que não deva haver críticas às políticas de governo. Mas a SPI não é uma instituição de pesquisa. O nosso esforço em propor melhoria às políticas públicas é também extremamente válido, deve ser mantido. Defendo que o exercício seja contínuo. Mas isso não implica NECESSARIAMENTE em torná-las públicas. Sua retirada da internet não deveria impactar em nada o processo que deveria se iniciar de discussão dentro do governo, o que só reforça que sua eficácia não está relacionada com sua publicação. Agora, entendo que a publicação pode ter criado resistências dentro do governo, e que isso pode tornar o trabalho de discussão interna mais difícil. Desconhecer esses aspectos é também desconhecer a essência política da nossa função.

Por fim, mas não menos importante, temos, a carreira, uma instituição de direito privado para fazer discussões que se apartam das instituições e devemos aproveitar isso. De lá, temos mais liberdade para fazer as críticas que acharmos conveniente, propor à sociedade e ao governo discussão de temas que consideramos importantes. Acho que a Assecor - Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento, principalmente agora depois de ter realizado um importante seminário sobre as relações entre o papel do Estado e o lugar do planejamento na busca do desenvolvimento, se mostra um espaço importante para realizarmos essas discussões.

Defendo a mobilização nesse espaço. Seu fortalecimento acarretará o reconhecimento maior da carreira e a construção de um espaço próprio capaz de ser mais um mecanismo de aproximar Estado e Sociedade e de exercer pressão sobre o governo para a melhoria da oferta das políticas públicas. Não podemos esperar ou exigir das instituições de Estado uma postura além das limitações impostas pelas amarras ao governo, de qualquer coloração que ele seja.
    

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