terça-feira, 8 de junho de 2010

Questões abertas da democracia participativa

Um dos grandes temas ainda pendentes para o governo, para a burocracia, para as elites e mesmo para a sociedade organizada é como introduzir, de fato, a sociedade civil na agenda governamental. Como se aproveitar da democracia participativa, somando-a à democracia representativa, de modo objetivo, com resultados concretos na forma de implementação e escolhas das prioridades governamentais.
De fato, não se pode negar que o governo Lula representou um avanço nesse processo. Esse é o foco do texto do Ministro Luiz Dulci no livro Brasil: entre o passado e o futuro. No artigo, Dulci ressalta o estímulo e reconhecimento dos movimentos sociais como componente de origem do Partido dos Trabalhadores e parte inexorável da agenda do governo Lula.  Destaca as 63 conferências nacionais que ocorreram durante o governo do PT, nas mais distintas áreas de atuação governamental, que teriam mobilizado cerca de 4,5 milhões de pessoas em mais de 5000 municípios brasileiros.
Outro ponto destacado por Dulci é o reconhecimento dos “novos direitos” e a institucionalização de esferas que garantam espaço na agenda horizontal de governo e estimulem o debate na sociedade em torno de questões cruciais como o preconceito de raça, a desigualdade de gênero e o papel da juventude. No geral, esse esforço é reconhecido pelos movimentos sociais como um avanço com relação ao governo anterior, que contribuiu para que deixassem a resistência para uma postura ofensiva no diálogo com o Estado. Apresentam-se não como anexos do Governo, mas tendo garantido sua independência e cobrando, insistentemente, avanços. Deve-se sublinhar, todavia, que esses movimentos sociais conformarem a base de sustentação do Governo Lula no auge da crise política pela qual passou ainda no primeiro mandato.
A grande promessa para o próximo período, que talvez só consiga ser concretizado nos próximos anos a depender do resultado das eleições de outubro, é o projeto de Consolidação das Leis Sociais, em discussão conduzida pela própria equipe de Dulci. A institucionalização dos ganhos representados pelas políticas sociais desenvolvidas nos últimos anos representará, sem dúvida, um grande ganho para a sociedade brasileira e um marco histórico para o Brasil.
Todavia, a questão da participação social está longe de ser resolvida. Consigo perceber três grandes objetivos desse estímulo ao alcance de um envolvimento maior da sociedade na agenda pública. O primeiro diz respeito a própria ligação, sadia, do governo com a sociedade, com o cidadão comum. Representa, teoricamente, um contato direto capaz de contrapor as demandas organizadas da sociedade e as ofertas propostas pelos poderes públicos. O segundo, relaciona-se com o controle social da ação pública, mecanismo útil para se contrapor aos privilégios e promover a universalização dos direitos, como argumenta Dulci. Por fim, mas não menos importante, as possibilidades de participação social servem de estímulo à ação cidadã do indivíduo e à mobilização associativa. Esta uma tarefa permanente.
Dentre as duas anteriores, creio que há espaço para avançar. Os instrumentos dispostos pelas tecnologias de informação servem muito bem à transparência e ao controle do gasto do governo, que lançou, recentemente, o portal da transparência. Mas todo o processo de gestão que antecede à realização do gasto, como o acompanhamento da execução na ordem das prioridades acordadas, por exemplo, não é por aí coberto. Seria necessário estabelecimento de diálogo direto e constante, com atores específicos. Como e quais atores participam é questão difícil e ainda aberta.
Por fim, a transformação do cidadão de objeto para sujeito da ação pública, corresponsável pela política, aponta para um longo caminho a ser percorrido. A participação dos movimentos sociais, ONGs, ainda que em parcerias, na execução das ações de responsabilidade do governo é ardilosa. A discussão da forma de implementação e desenho das ações a serem desenvolvidas é restrita e muitas vezes, secundária à discussão do montante dos recursos. No entanto, são aspectos que iluminam as vias que podem ser exploradas.
Como comentário final, dois elementos que vejo como importantes nessa construção. Os agentes sociais (agentes de leitura, de segurança cidadã, de saúde...), fortalecidos nos últimos anos podem ser mais úteis na construção desse processo. A criação de rede entre eles para a troca da experiência e a criação de mecanismos de diálogo sistemático com os formuladores de políticas pode ajudar a melhorar a oferta que chega de cima. E, como não poderia deixar de ser, a questão territorial. A eleição do território como plataforma preferencial de integração das políticas públicas e de auscultação social.
Ouvidorias são importantes. Mas mais importante é a resposta articulada que o Estado pode oferecer em forma de resultados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário